01/11/2016 - 16:20
A cada nova pesquisa, cresce a preocupação sobre o estado dos oceanos da Terra, responsáveis pela maior parte da absorção dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelas atividades humanas. O mais novo e abrangente deles – um calhamaço de 456 páginas preparado por 80 cientistas de 12 países, publicado em setembro pela respeitada União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) – reforça ainda mais esse quadro sombrio.
Para os autores, o crescimento da temperatura nos oceanos representa “o maior desafio oculto da nossa geração”, pela capacidade demonstrada de alterar a composição de espécies marinhas, reduzir áreas de pesca (em um período em que a necessidade de alimento está crescendo) e começar a espalhar doenças para os seres humanos. “Em um planeta oceânico, estamos arruinando o oceano”, sintetiza o ambientalista americano Bill McKibben com base no relatório.
Essas mudanças já podem ser sentidas pelas pessoas, segundo o trabalho. “Devido a um efeito dominó, setores humanos fundamentais estão em risco, especialmente pesca, aquicultura, gestão de riscos costeiros, saúde e turismo costeiro”, dizem os autores. De acordo com o relatório, os oceanos, que recobrem cerca de 70% da superfície terrestre, têm absorvido mais de 90% do calor extra produzido pelos seres humanos.
Se uma quantidade de calor semelhante à que está armazenada nos primeiros dois mil metros de profundidade tivesse ido para a atmosfera, a temperatura na superfície do planeta estaria nada menos que 36 graus centígrados mais alta ao longo do século 20. Como os oceanos a capturaram, essa elevação foi de apenas 1° C – cerca de 0,13° C desde o início do século passado. Até 2100, estima-se que esse aumento possa chegar a 4° C, com máximas maiores no hemisfério sul.
As diferenças de temperaturas deverão ser ainda maiores nos polos – elas têm crescido duas vezes mais ali do que a média global. O desarranjo afeta inúmeros aspectos do ecossistema marinho, e o relatório aponta os principais entre eles. Um é o impacto destrutivo causado no início da cadeia alimentar dos mares, em seres como o fitoplâncton, o zooplâncton e o krill (pequeno crustáceo). A redução na disponibilidade desses alimentos afeta a reprodução.
Com tudo isso somado, muitos seres ligados ao ambiente oceânico (como peixes, aves marinhas, tartarugas marinhas e águas-vivas) podem ser deslocados de seus habitats, enquanto outros ficam sujeitos a espécies invasoras. No Atlântico Norte, já foram detectados deslocamentos de 30 quilômetros por década, rumo ao polo, de sardinhas, anchovas, arenques e cavalas. Como mais de 550 tipos de peixes e invertebrados marinhos já são considerados ameaçados, o aquecimento dos oceanos deverá incrementar o declínio de algumas espécies.
Perda de cor
O texto se debruça sobre o caso dos recifes de coral, que dão suporte a cerca de 25% das espécies marinhas. Vários deles sofreram branqueamento porque a constância de temperaturas mais elevadas leva o coral a expelir as algas que lhe dão cor, clareando-se e, por fim, morrendo. Nos últimos 30 anos, os casos de branqueamento registrados nos corais triplicaram, com destaque para o ocorrido na Grande Barreira de Coral, no litoral australiano. Além disso, a acidificação dos oceanos (o aumento da acidez da água causado pela maior absorção de gás carbônico) está deixando cada vez mais difícil, para animais como caranguejos, camarões e mariscos, a tarefa de formar suas conchas de carbonato de cálcio.
A pesca, que representa o sustento básico de cerca de 4,3 bilhões de pessoas, será duramente afetada pelas mudanças nos mares caso as emissões de gases-estufa não caiam radicalmente. No Sudeste da Ásia, por exemplo, o volume pescado poderá cair cerca de 33% até 2050. O assunto preocupa bastante, já que até 2050 se espera que a população mundial passe dos atuais 7 bilhões de pessoas para 9 bilhões. Outro perigo citado no texto é a propagação de doenças que o aquecimento oceânico vai facilitar. Os pesquisadores apontam uma relação entre a proliferação de espécies de algas nocivas, que podem causar intoxicação alimentar, e o vibrião do cólera.
As águas mais quentes poderiam ainda liberar bilhões de toneladas de metano (o mais danoso dos gases-estufa) congelado no fundo do mar, o que elevaria fortemente as temperaturas. O desastre poderá ocorrer mesmo se houver um corte drástico de emissões de gases-estufa, já que essa redução demoraria a produzir consequências perceptíveis.
O relatório recomenda a expansão das áreas protegidas dos oceanos e, sobretudo, a redução do volume de gases-estufa emitido pela atividade humana. “O aquecimento dos oceanos é um dos maiores desafios ocultos desta geração – e um para o qual estamos totalmente despreparados”, diz Inger Andersen, diretora-geral da IUCN. “A única forma de preservar a rica diversidade de vida marinha e salvaguardar a proteção e os recursos que o oceano nos oferece é cortar as emissões de gases de efeito estufa rápida e substancialmente.”