10/06/2025 - 18:15
Ex-presidente negou ter discutido planos de golpe após a vitória de Lula e argumentou que só debateu medidas constitucionais com militares, mas que não editou “minuta do golpe”.Réu no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de liderar a organização criminosa que tramou um golpe para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depôs nesta terça-feira (10/06) à Primeira Turma da corte.
Foi a primeira vez que ele teve que responder a perguntas do ministro Alexandre de Moraes – relator do processo e, no passado, alvo frequente da retórica inflamada do ex-presidente e de seus apoiadores.
Bolsonaro e mais outros sete réus são apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o “núcleo crucial” da trama golpista. O interrogatório do grupo começou na segunda-feira.
Bolsonaro foi o sexto a ser ouvido, e abriu sua fala negando a denúncia.
Antes de começar a falar, ele teve negado um pedido da defesa para exibir vídeos. Moraes instruiu os advogados a, em vez disso, anexar primeiro o material aos autos do processo.
Veja, abaixo, os principais pontos do depoimento de Bolsonaro. Um resumo dos demais depoimentos está neste texto.
Minuta do golpe e trama golpista
Bolsonaro negou que tenha discutido planos de dar um golpe após perder as eleições de 2022, argumentando que apenas debateu alternativas dentro da Constituição com os chefes das Forças Armadas, mas sem especificar com qual objetivo, e insistindo que abandonou logo a ideia.
Essas alternativas teriam sido avaliadas, segundo Bolsonaro, após Moraes multar o partido dele, o PL, em R$ 22,9 milhões por contestar o resultado das eleições.
Bolsonaro disse que buscou os militares porque “não tinha clima para convidar” mais ninguém. “Sobrou eles, até como um desabafo”, explicou-se. “E eu confesso que muita coisa que eles falaram eu absorvi e chegou à conclusão rapidamente que não tinha mais o que fazer.”
Depois disso, Bolsonaro disse que apoiou a transição pacífica de governo. “Pacifiquei o máximo que pude nos dois meses de transição.”
O ex-presidente também negou versão apresentada em depoimento ao STF no dia anterior pelo seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, de que teria “enxugado” a minuta de golpe – rascunho de um decreto que embasaria o golpe, e que segundo a PGR foi debatido com os militares.
Indagado pelos advogados de defesa, Bolsonaro disse desconhecer que o vice de sua chapa, ex-ministro Braga Netto, tivesse frequentado o acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília e atuado como elo entre militares e manifestantes.
No dia anterior, Mauro Cid havia dito ao STF que recebeu dinheiro de Braga Netto para mobilizar manifestantes.
Bolsonaro também negou que soubesse do plano “punhal verde e amarelo” – que, segundo a denúncia da PGR, previa o assassinato do ministro Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice dele, Geraldo Alckmin. Também disse não saber do grupo “copa 2022”, que reunia os executores do plano.
A defesa do ex-presidente nega a participação dele em crimes e argumenta que não há provas de ligação entre a suposta conspiração iniciada em junho de 2021 no Palácio do Planalto, com o questionamento das urnas eletrônicas perante embaixadores, e os atos do 8 de janeiro.
Urnas eletrônicas
Questionado sobre as suspeitas que levantou publicamente sobre a integridade das urnas eletrônicas, Bolsonaro voltou a pôr o sistema em dúvida, defendeu o voto impresso e argumentou que ele não é o único com esse posicionamento, citando declarações atribuídas por ele ao ministro Flávio Dino, do STF.
“Em 2010, quando ele [Dino] perdeu a eleição para o governo do Maranhão – eu pedi [para exibir] um vídeo, mas não foi permitido. No vídeo, ele diz o seguinte: ‘Hoje eu tive a oportunidade de ser vítima de um processo que precisa ser aprimorado, ser auditado, que é o sistema das urnas eletrônicas. E, depois, ‘O senhor acredita que houve fraude? Houve várias modalidades'”, afirmou.
Bolsonaro também citou a defesa do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT) do voto impresso.
“Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado, com certeza. Mas o meu objetivo sempre foi mais uma camada de proteção para as eleições, de modo que evitasse qualquer conflito, qualquer suspeição”, argumentou. “A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar para aprovar [o voto impresso].”
Os ataques ao sistema eleitoral, segundo a PGR, eram uma estratégia para deslegitimar o resultado do pleito em caso de derrota de Bolsonaro.
Pressão sobre ministro da Defesa
Bolsonaro negou ter pressionado o general Paulo Sérgio Nogueira, seu ex-ministro da Defesa, para que as Forças Armadas elaborassem um relatório desfavorável às urnas eletrônicas.
A negativa contraria depoimento dado no dia anterior por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, que relatou que Nogueira havia sido pressionado a produzir um relatório “duro”.
Acusações contra o STF
Moraes perguntou a Bolsonaro sobre uma acusação feita por ele de que membros da corte teriam recebido propina de “50 milhões de dólares” nas eleições.
Bolsonaro argumentou que a fala foi um “desabafo, uma retórica” e pediu desculpas, alegando que não tinha “intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores”.
O ex-presidente disse ter se sentido injustiçado pelas autoridades eleitorais. “Por ocasião das eleições, eu não pude fazer live do Palácio do Alvorada por decisão do TSE. Não pude usar imagens minhas na ONU”, elencou. “Eu fui alvo de muita coisa. Agora, o outro lado podia tudo, até me chamar de genocida. Eu queria mostrar imagem, eu fui tolhido. O maior prejuízo que eu tive foi não poder usar imagens do 7 de Setembro.”
Quem são os réus que estão sendo interrogados?
Os oito réus ouvidos nesta fase são acusados de pertencerem ao chamado “núcleo crucial” da trama golpista, segundo a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR):
Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro – (depôs em 09/06)
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – (depôs em 09/06)
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha – (depôs em 10/06)
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça – (depôs em 10/06)
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – (depôs em 10/06)
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República – (depôs em 10/06)
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa – (depôs em 10/06)
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022 – (depôs em 10/06)
Quais são os crimes apontados na denúncia apresentada pela PGR?
Organização criminosa: associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas om objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais. Pena prevista: de três a oito anos de prisão.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena: de quatro a oito anos de prisão.
Golpe de Estado: Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: de quatro a 12 anos de prisão.
Dano qualificado: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça. O crime também é considerado mais grave quando cometido contra o patrimônio público ou de entidades específicas ou com grave ameaça. Pena: de seis meses a três anos de prisão.
Deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei. Pena de um a três anos de prisão.
Próximas fases
O interrogatório dos réus é a última etapa da fase de instrução do processo penal que tramita no STF.
Encerrados os interrogatórios, tanto a defesa quanto acusação poderão solicitar requerer diligências complementares -como depoimentos de novas testemunhas e solicitação de documentos. Depois dessa fase, a defesa e acusação deverão apresentar suas alegações finais, num prazo de 15 dias.
Na próxima etapa, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, vai preparar seu voto e liberar o caso para julgamento pela Primeira Turma do STF. O julgamento será marcado pelo presidente da Turma, Cristiano Zanin. Os membros da turma – Zanin, Moraes, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino – vão decidir pela condenação ou absolvição dos réus.
ra (ots)