10/06/2025 - 8:05
Réus acusados de fazer parte do “núcleo crucial” são interrogados pelo STF sobre trama para manter Bolsonaro no poder após derrota em 2022. Cid confirma pontos da delação e Ramagem nega existência de “Abin paralela”.O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta semana a fase de interrogatórios do primeiro núcleo de réus acusados de envolvimento na trama golpista para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022. Os depoimentos estão previstos para durar até a próxima sexta-feira (13/06).
Quem são réus que estão sendo interrogados?
Os sete réus ouvidos nesta fase são acusados de pertencerem ao chamado “núcleo crucial” da trama golpista, segundo a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR):
Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro – (depôs em 09/06)
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – (depôs em 09/06)
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022
Os principais pontos do interrogatório de Mauro Cid: “Bolsonaro revisou minuta do golpe”
Na segunda-feira (09/06), o tenente-coronel Mauro Cid foi o primeiro réu a prestar depoimento, respondendo questões que já haviam sido tratadas em sua delação premiada. Cid confirmou que houve uma tentativa de golpe de Estado e que “presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles”. O militar, contudo, negou que tivesse conhecimento prévio dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. O militar também negou ter sido alvo de qualquer tipo de coação para fechar sua delação.
Bolsonaro editou a minuta golpista
Cid afirmou que Bolsonaro recebeu no fim de 2022 a minuta de um decreto que previa a criação de uma comissão para organizar novas eleições. Esse rascunho também mencionava a prisão de ministros do STF e membros do Legislativo. Cid disse que Bolsonaro alterou esse trecho do documento e manteve apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes. “Ele enxugou o documento, basicamente retirando as prisões das autoridades. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso”, disse Cid.
Envolvimento de militares
Cid afirmou que havia pressão sobre o comando das Forças Armadas para que fosse assinado um documento decretando Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Mas, segundo Cid, o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi o único comandante militar que aderiu ao plano.
O tenente-coronel também relatou que o general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres e réu no STF, afirmou a ele que o Exército iria cumprir uma ordem golpista de Bolsonaro caso o ex-presidente assinasse um decreto com as determinações.
Cid também confirmou que recebeu do ex-ministro Braga Netto, general da reserva do Exército, uma caixa de vinho cheia de dinheiro vivo para entregar ao tenente-coronel Rafael de Oliveira – militar suspeito de liderar um grupo que planejava matar Moraes, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin.
Mauro Cid ainda relatou que Braga Netto era o elo entre Bolsonaro e os acampamentos instalados em frente a quartéis pelo país.
Pressão para produzir relatório contra urnas
Mauro Cid também disse que Bolsonaro pressionou, em 2022, o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira para produzir um relatório “duro” para lançar suspeitas sobre a lisura do processo eletrônico de votação.
“A grande expectativa era que fosse encontrada uma fraude nas urnas. O que a gente sempre viu era uma busca por encontrar fraude na urna. Com a fraude na urna, poderia convencer os militares, dizendo que a eleição foi fraudada e, talvez, a situação mudasse”, disse Cid.
No entanto, o relatório entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema. “No final, foi meio termo, nem como o Paulo Sérgio tinha rascunhado, nem como o presidente queria”, disse Cid.
Os principais pontos do interrogatório de Ramagem: “Anotações contra urnas eram privadas”
O segundo acusado que passou por interrogatório foi Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ramagem foi denunciado sob a acusação de usar a estrutura do órgão para espionar ilegalmente desafetos do ex-presidente.
Ramagem diz que não havia uma “Abin paralela”
No depoimento, Ramagem negou que existisse uma “Abin paralela” responsável por monitoramento ilegal de autoridades, entre elas ministros do STF. “Nunca utilizei monitoramento algum pela Abin de qualquer autoridade”, disse.
Ex-diretor também refutou ter disseminado informações falsas sobre urnas
Segundo a denúncia da PGR, Ramagem prestou auxílio direto a Bolsonaro fornecendo material para presidente com informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Ramagem, no entanto, negou ter enviado a Bolsonaro arquivos de word com informações falsas para embasar lives do então presidente para alimentar suspeitas sobre as urnas. “Esses são documentos pessoais, são documentos privados. Não houve difusão qualquer, encaminhamento qualquer desse documento. Era algo privado, com opiniões privadas minhas”, disse.
Quais são os crimes apontados na denúncia apresentada pela PGR?
Organização criminosa:associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas om objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais. Pena prevista: de três a oito anos de prisão.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena: de quatro a oito anos de prisão.
Golpe de Estado: Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: de quatro a 12 anos de prisão.
Dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça. O crime também é considerado mais grave quando cometido contra o patrimônio público ou de entidades específicas ou com grave ameaça. Pena: de seis meses a três anos de prisão.
Deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei. Pena de um a três anos de prisão.
Próximas fases
O interrogatório dos réus é a última etapa da fase de instrução do processo penal que tramita no STF.
Encerrados os interrogatórios, tanto a defesa quanto acusação poderão solicitar requerer diligências complementares -como depoimentos de novas testemunhas e solicitação de documentos. Depois dessa fase, a defesa e acusação deverão apresentar suas alegações finais, num prazo de 15 dias.
Na próxima etapa, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, vai preparar seu voto e liberar o caso para julgamento pela Primeira Turma do STF. O julgamento será marcado pelo presidente da Turma, Cristiano Zanin. Os membros da turma – Zanin, Moraes, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino – vão decidir pela condenação ou absolvição dos réus.
jps/cn (ots)