15/10/2025 - 17:35
Plano de paz de Trump prevê que palestinos desistam dos vários processos contra Israel em tribunais internacionais por suspeita de crimes de guerra. Qual é o risco de que esses casos sejam esvaziados?No futuro, a Faixa de Gaza será governada por um governo tecnocrático — pelo menos é o que prevê o plano de paz apoiado pelos EUA, que resultou em um cessar-fogo após dois anos de combates no território costeiro palestino.
O plano também especifica que a Autoridade Palestina, que controla a Cisjordânia ocupada, não poderá participar desse governo até que este seja reformado “conforme delineado em várias propostas, incluindo o plano de paz do presidente Trump em 2020”.
No plano de 2020, os EUA afirmam que só reconhecerão um Estado palestino se este cessar a “guerra judicial contra o Estado de Israel”.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu também falou nisso em Washington, quando se reuniu com Trump no mês passado.
Uma reforma “genuína” da Autoridade Palestina deve significar “o fim da guerra jurídica contra Israel no TPI [e] na CIJ”, disse Netanyahu, referindo-se ao Tribunal Penal Internacional e ao Corte Internacional de Justiça, dois tribunais de direito internacional onde processos contra Israel estão em andamento.
Vários casos em tribunais internacionais
Ambos os tribunais têm sede na Holanda. Um deles, o TPI, processa indivíduos suspeitos de crimes de guerra e o outro, a CIJ, é onde países movem ações contra outros países, geralmente por violação de tratados ou convenções.
No final de 2023, a África do Sul recorreu à CIJ e acusou Israel de violar a Convenção sobre Genocídio de 1948, adotada pelas Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial. Uma decisão sobre isso não é esperada antes do final de 2027. Há também outro caso na CIJ em que a Nicarágua acusou a Alemanha de ser cúmplice de um genocídio, devido ao seu apoio a Israel.
No final de 2024, o TPI emitiu mandados de prisão contra Netanyahu e o ex-ministro da Defesa israelense Yoav Gallant. Ambos são acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, embora nenhum deles seja acusado de genocídio. O TPI também emitiu mandados de prisão para três líderes do Hamas, mas estes foram retirados após a morte deles.
É provável que o TPI também tenha outros mandados de prisão para políticos israelenses que ainda não foram tornados públicos. Mesmo antes da guerra em Gaza, a Autoridade Palestina já havia pedido ao tribunal que investigasse a situação nos territórios palestinos ocupados.
O atual cessar-fogo pode mudar algo?
Se a Autoridade Palestina abandonasse o caso do TPI — como Netanyahu insistiu — isso encerraria o processo?
A Autoridade Palestina, na verdade, levou seu caso contra Israel ao TPI em 2018. O caso, sob investigação no tribunal desde 2021, analisa potenciais violações desde 2014 e, antes do ataque do Hamas em outubro de 2023, concentrava-se nas expansões de assentamentos na Cisjordânia.
Em novembro de 2023, outros países — incluindo África do Sul, Bangladesh, Bolívia, Chile e México — aderiram ao caso do TPI para pressionar pela investigação das denúncias.
Organizações de direitos humanos também se juntaram à causa. Por exemplo, até o final de setembro, a Repórteres Sem Fronteiras apresentou cinco queixas contra Israel ao TPI, alegando que o exército israelense estava deliberadamente atacando jornalistas palestinos.
No início de outubro, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse à imprensa que ela e outros ministros também foram acusados de “cumplicidade em genocídio” por um grupo de defesa dos direitos palestinos em outro processo apresentado ao TPI, porque a Itália forneceu armas a Israel.
Isso leva a crer que, independentemente do que a Autoridade Palestina fizer, os casos internacionais continuarão a tramitar porque há outras partes envolvidas.
Trégua dificulta comprovação de genocídio?
À DW, juristas disseram ser improvável que o cessar-fogo mude a forma como os casos são conduzidos. O fato de Israel ter concordado em parar de bombardear Gaza agora não invalida alegações anteriores.
“Todos os procedimentos possíveis, sejam eles em nível nacional ou internacional, não serão afetados pelos desenvolvimentos atuais”, afirma Kai Ambos, professor de direito Penal Internacional na Universidade de Göttingen, na Alemanha.
O plano de paz de 20 pontos de Trump também oferece anistia aos combatentes do Hamas que se desarmarem. Aqui, Ambos diz que é preciso ter mais detalhes, mas que mesmo assim quaisquer anistias “não seriam vinculativas para os sistemas de justiça nacionais, como o da Alemanha, ou para o TPI”, e sim apenas entre as duas partes em conflito.
“O cessar-fogo não deve fazer diferença para a acusação ou a responsabilização por crimes passados cometidos por qualquer um dos lados”, confirma Susan Akram, diretora da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Boston.
“As questões de evidências provavelmente ficarão mais complicadas, na medida em que elas provavelmente serão apagadas sob os escombros em Gaza, e milhares de palestinos que testemunharam atrocidades, incluindo centenas de jornalistas, foram mortos”, ressalta.
Mas ela pondera que muitas evidências já foram coletadas. A Comissão de Inquérito da ONU sobre os Territórios Palestinos Ocupados, que concluiu em setembro que Israel estava cometendo genocídio em Gaza, tem seu próprio banco de dados, que provavelmente será usado pelos tribunais.
“Há também processos em vários países contra autoridades governamentais europeias por cumplicidade com o genocídio em Gaza, bem como pedidos de prisão de vários soldados e comandantes israelenses por seus crimes em Gaza. Nenhum deles será afetado pelo cessar-fogo”, explica Akram.
Impacto em processos judiciais alemães
Isso inclui casos na Alemanha. Na próxima semana, um caso movido pela organização Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR, na sigla em inglês) contra o governo alemão será levado a um dos tribunais mais altos do país, o Tribunal Constitucional Federal. O ECCHR argumenta que a Alemanha não deve exportar armas ou peças de armas para Israel.
“De uma perspectiva não jurídica, é compreensível questionar se a situação real pode ter algum tipo de impacto no caso”, explica Alexander Schwarz, codiretor do programa de crimes internacionais do ECCHR. “Mas, legalmente, um cessar-fogo — não importa quanto tempo dure — não altera o fundamento jurídico da nossa reivindicação.”
Por um lado, o caso do ECCHR analisa os fatos concretos apenas até janeiro de 2025, observa Schwarz. Por outro, as regras internacionais sobre o comércio de armas determinam que a Alemanha deve avaliar os destinatários de suas exportações de armas para verificar se há algum perigo de armas alemãs serem usadas em crimes de guerra.
Em agosto, a Alemanha suspendeu parcialmente as exportações de armas para Israel. Mas, desde que um cessar-fogo foi declarado, políticos alemães já disseram que as exportações devem ser retomadas.
“Após dois anos de violações sistemáticas do direito humanitário por Israel, o risco [de armas alemãs serem usadas em crimes de guerra] obviamente ainda existe. Levará tempo até que a Alemanha possa exportar armas legalmente para Israel novamente”, argumenta Schwarz.
“Crimes de guerra, crimes contra a humanidade e, como sugere a Comissão de Inquérito da ONU, atos de genocídio não desaparecem simplesmente porque os combates cessam”, conclui Schwarz. “Um cessar-fogo não anula a responsabilização. Pelo contrário, ele abre espaço para que a Justiça prossiga.”