Os tremores de estrelas registrados pelo telescópio espacial Kepler, da Nasa, ajudaram a responder a uma pergunta antiga sobre a idade do “disco grosso” da Via Láctea. Em artigo publicado na revista “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”, uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Centro de Excelência para a Astrofísica de Todo o Céu em Três Dimensões (ASTRO-3-D), do Conselho de Pesquisa Australiano (ARC), usou dados da agora desativada sonda Kepler para calcular que o disco tem cerca de 10 bilhões de anos.

“Essa descoberta esclarece um mistério”, diz o autor principal do estudo, Sanjib Sharma, do ASTRO-3-D e da Universidade de Sydney (Austrália). “Os dados anteriores sobre a distribuição etária das estrelas no disco não concordavam com os modelos construídos para descrevê-lo, mas ninguém sabia onde estava o erro – nos dados ou nos modelos. Agora temos quase certeza de que encontramos isto.”

Como muitas outras galáxias espirais, a Via Láctea consiste em duas estruturas semelhantes a discos, conhecidas como grossas e finas. O disco grosso contém apenas cerca de 20% do total de estrelas da galáxia e, com base em sua composição e inchaço vertical, é considerado o mais antigo do par.

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Para descobrir mais detalhes sobre essa idade, Sharma e seus colegas usaram um método conhecido como astrossismologia (sismologia estelar) – uma forma de identificar as estruturas internas das estrelas medindo suas oscilações a partir de tremores estelares.

Arqueologia galáctica

“Os tremores geram ondas sonoras dentro das estrelas que as fazem tocar ou vibrar”, explica o coautor Dennis Stello, do ASTRO-3-D e da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália). “As frequências produzidas nos dizem coisas sobre as propriedades internas das estrelas, incluindo sua idade. É um pouco como identificar um violino como um Stradivarius ouvindo o som que ele produz.”

Essa datação permite que os pesquisadores basicamente olhem para trás no tempo e entendam melhor o período da história do universo quando a Via Láctea se formou – uma prática conhecida como arqueologia galáctica.

Os pesquisadores não ouvem realmente o som gerado pelos tremores de estrelas. Na verdade, eles procuram descobrir como o movimento interno é refletido nas mudanças de brilho. “As estrelas são apenas instrumentos esféricos cheios de gás”, diz Sharma, “mas suas vibrações são pequenas, por isso temos que olhar com muito cuidado. (…) As excelentes medições de brilho feitas por Kepler eram ideais para isso. O telescópio era tão sensível que seria capaz de detectar o escurecimento de um farol de carro enquanto uma pulga o atravessava.”

Os dados fornecidos pelo telescópio durante os quatro anos após seu lançamento, em 2009, apresentaram um problema para os astrônomos. As informações sugeriram que havia mais estrelas mais jovens no disco grosso do que os modelos previram.

A pergunta que confrontava os cientistas era clara: os modelos estavam errados ou os dados estavam incompletos?

Nova fonte

Em 2013, no entanto, o Kepler quebrou e a Nasa reprogramou-o para continuar a trabalhar em uma capacidade reduzida – um período conhecido como a missão K2. O projeto envolveu a observação de muitas partes diferentes do céu durante 80 dias por vez.

A primeira parte desses dados representou uma nova e rica fonte para Sharma e colegas das universidades australianas Macquarie, Nacional Australiana, de Nova Gales do Sul e da Austrália Ocidental. Eles foram acompanhados em suas análises por colegas de instituições de EUA, Alemanha, Áustria, Itália, Dinamarca, Eslovênia e Suécia.

Uma análise espectroscópica recente revelou que a composição química incorporada nos modelos existentes para estrelas no disco grosso estava errada, o que afetou a previsão de suas idades. Levando isso em consideração, os pesquisadores descobriram que os dados astrossísmicos observados agora se encaixavam em “excelente concordância” com as previsões do modelo.

Os resultados fornecem uma forte verificação indireta do poder analítico da astrossismologia para estimar idades, diz Dennis Stello. Ele acrescentou que dados adicionais ainda a serem analisados ​​do K2, combinados com novas informações coletadas por outro satélite da Nasa, o Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS), resultarão em estimativas precisas para as idades de ainda mais estrelas no disco e isso nos ajudará a desvendar o história da formação da Via Láctea.