Ortopedista de 40 anos foi acusado de atuar no antigo aparato de tortura e repressão da ditadura de Bashar al-Assad. Residente na Alemanha desde 2015, ele foi reconhecido por vítimas após aparecer em um programa de TV.Um médico sírio foi condenado à prisão perpétua na Alemanha nesta segunda-feira (16/06) por crimes contra a humanidade, crimes de guerra, tortura e assassinatos cometidos contra civis entre 2011 e 2012 na Síria, enquanto atuou em hospitais militares e manteve contato com dissidentes presos.

Segundo o Tribunal Regional Superior de Frankfurt, Alaa M., de 40 anos, torturou gravemente nove pessoas e é responsável pela morte de outros dois opositores do regime do ditador sírio Bashar al-Assad, deposto do poder no final de 2024.

Uma das mortes teria sido provocada pela administração intencional de uma injeção letal a um paciente com epilepsia. Em outros casos listados na sentença, ele teria incendiado as genitálias de homens jovens e arrancado três dentes de um outro a chutes. Um outro paciente com o fêmur quebrado teria sido propositalmente submetido a uma operação sem anestesia.

O juiz que presidiu o julgamento, Christoph Koller, afirma que o regime de Assad tentou interferir no processo enquanto esteve no poder, e que há indícios de que informações reservadas teriam sido vazadas e de que houve ameaça a testemunhas do processo.

“Nenhum torturador, independente do lugar do crime, pode contar com a impunidade”, disse Koller ao proferir a sentença.

A defesa do médico afirma que ele foi alvo de um complô revanchista de ex-colegas de trabalho na Síria, e disse que vai recorrer da sentença. Perante o tribunal, o médico chegou a admitir ter presenciado espancamentos, mas negou ter participado das agressões.

Homem vivia desde 2015 na Alemanha

M. chegou à Alemanha em 2015 com um visto para trabalhadores altamente qualificados, na mesma época em que centenas de milhares de sírios fugiam da guerra civil.

Ele atuava como médico ortopedista e foi preso em junho de 2020, após ser reconhecido por vítimas em um programa de TV sobre a cidade síria de Homs. À época, trabalhava numa clínica em Bad Wildungen, no estado de Hessen.

Na Síria, ele teria atuado, entre outros hospitais, no Mezzeh 601, famoso por seu papel no aparato de tortura do regime sírio – segundo a ONG Human Rights Watch, o necrotério e o pátio do hospital aparecem em fotos que documentam violações contra civis patrocinadas pelo Estado.

Pelo direito internacional, alguns crimes, especialmente crimes contra a humanidade, podem ser processados em um país diferente daquele onde eles ocorreram – mesmo que eles não envolvam cidadãos da nação que os processa. É por isso que criminosos estrangeiros que tenham cometido crimes no exterior podem ter que responder por seus atos na Alemanha.

A pena, considerada dura, foi justificada pelo tribunal diante das “inclinações sádicas” do médico e de sua “disposição duradoura de destruição”, que não permitem descartar o risco de cometimento de outros graves crimes no futuro.

O condenado terá que cumprir 15 anos em regime fechado e, depois disso, terá seu caso sujeito a reavaliações regulares. Em função do alto risco à segurança pública determinado pela sentença, porém, é improvável que ele volte à liberdade.

O processo durou mais de três anos, e ouviu cerca de 50 testemunhas e vítimas. Sobreviventes e familiares que acompanhavam a sessão reagiram com aplausos à sentença.

Este não é o primeiro caso de um cidadão sírio condenado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Alemanha. Em janeiro de 2022, o Tribunal Regional Superior de Koblenz também sentenciou à prisão perpétua um ex-funcionário do serviço secreto sírio.

ra (AFP, dpa, Reuters)