Não é difícil hoje em dia encontrar pessoas em ambientes acadêmicos ou profissionais cometendo erros graves de português. Problema é originado no próprio sistema educacional.”Eu quero, mais não vou puder”, “Agente não vai participar?” e “Nois vamu ver”.

Sim, a coluna passou por uma revisão, mas as frases acima, e semelhantes, já foram recebidas por mim mais de uma vez e, surpreendentemente, por discentes de universidades de ponta.

Eu sempre pensava sobre isso e me perguntava se foi ou não um erro de corretor ortográfico. No entanto, em muitos casos, o padrão se repetia, e eu notava que não era se tratava de um erro de digitação devido à correria.

Há algumas semanas, uma leitora da coluna sugeriu escrever sobre isso. “Algo que tenho visto ser extremamente comum no ambiente escolar e profissional é a desimportância do uso correto da língua portuguesa, já que tanto nas redes sociais quanto nas comunicações interpessoais – como em ambiente de trabalho por exemplo – tem sido cada vez mais rara a capacidade das pessoas em se comunicar de forma adequada na própria língua materna”, disse ela.

Gostei da sugestão e aceitei o desafio. Já adianto que a coluna não assumirá uma postura normativa, ou seja, não irei me atrever a sugerir soluções ou diretrizes, sobretudo devido à complexidade do tema e meu entendimento das minhas limitações enquanto colunista. No entanto, cabe aqui, e estendo o convite para vocês, leitores, uma discussão sobre isso.

Precisamos tomar cuidado com a elitização

Para este tema, é de suma importância tomar cuidado com preconceitos ou com um possível caminho de reforçar uma sociedade que já é bem segregada e elitizada, ou seja, é preciso nos debruçar sobre ele com sensibilidade, humanidade e compreensão.

Fui privilegiado o bastante para cursar minha graduação, e agora minha pós, em duas universidades públicas de excelência. No entanto, sou de um bairro da periferia, e dezenas de amigos não tiveram as mesmas oportunidades. Indo além, nem mesmo as minhas irmãs e muito menos meus pais.

Vira e mexe, eu falo com eles por mensagens ou leio o que escrevem nas redes sociais e há, claro, uma inadequação em relação à norma culta, mas eu preciso entender que tivemos formações e oportunidades totalmente diferentes. Não faz sentido algum eu ficar corrigindo, nem mesmo me pautando pelo sentimento de “estou ajudando”, pois ainda que eu esteja munido das melhores intenções, estarei, em alguma medida, elitizando um dificultando uma relação de comunicação que, para o bem ou para o mau, está funcionando.

Sobre isso, Fidel Castro, graduando em Letras pela UFSC, diz: “A língua falada é praticamente um organismo. Ela vive mudando, se adaptando, criando e transformando. O objetivo principal da linguagem é a comunicação, como se faz isso, pouco importa, o importante é que a comunicação exista e que todas as partes desse processo comunicativo se entendam. Acho problemático dizer que alguns falam errado, por que como que a gente vai estabelecer o que é errado? Vamos seguir a gramática, mesmo sabendo que ela não reflete, 100%, a língua do jeito que ela é? Vamos seguir um jeito de falar que existe nos polos culturais do Brasil? Como escolher isso? O Brasil é gigante, não há como unificar isso.”

Ele continua: “Sempre que alguém corrige a fala de outra pessoa, eu tento perguntar o motivo da correção e a resposta sempre acaba sendo “ah, mas se escreve assim”, “tá na gramática”, aí é só esperar cinco segundos e deixar a pessoa falar cinco palavras que essa mesma pessoa vai cair, inevitavelmente, no mesmo “problema” que ela tentou corrigir, “falar errado”, kkkk. Eu gosto muito de falar sobre a história da língua nesses casos, explicar que a linguagem existe, provavelmente, há mais de 150 mil anos e a representação da linguagem, a escrita, só começou a ser observada há 6 mil anos. Aí o questionamento fica no ar, quem dita a gramática? Alguns estudiosos (que aí entram muitos fatores também, como a questão de que normalmente isso é feito por homens brancos, o que, por si só, já é um problema, já que a representatividade fica comprometida), ou a própria língua?

Então, não estamos diante de um problema?

No entanto, acredito que estamos, sim, diante de um problema, mas não cabe a culpabilização de indivíduos específicos. Aqui estamos diante, na verdade, das consequências de problemas no sistema educacional brasileiro que, infelizmente, não se restringem às dificuldades de adequação à norma culta.

Há uma série de razões, e ainda que eu gastasse todos os caracteres da coluna sobre elas, não seria o bastante. Podemos citar a escola que, infelizmente, já não conversa com a realidade dos estudantes; a falta de participação das famílias; questões de infraestrutura básica nos colégios; desvalorização dos profissionais da educação; papel dos celulares e das redes sociais; etc.

A consequência são milhões de indivíduos adultos com problemas graves de interpretação de texto e até ouvi falar em casos de estudantes de engenharia que não sabem fazer uma conta tão simples quanto a divisão.

Entendo que algumas complexidades, inclusive na própria língua, aparentemente podem não fazer tanta diferença na vida de alguns indivíduos. Uma escrita complexa, com orações subordinadas, por exemplo, nunca será requerida da minha mãe ou de minhas irmãs, e está tudo certo.

No entanto, entendo que não podemos romantizar ou banalizar as consequências de déficits básicos, pois podem, infelizmente, prejudicar muito e limitar possibilidades de ascensão e do pleno exercício de cidadania daqueles que mais precisam.

Há ambientes, lugares, oportunidades e instituições que irão requerer o básico do indivíduo e sem ter tido a oportunidade de desenvolver esse básico, o cidadão será privado ou, até mesmo, excluído desses espaços.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação.

Este texto foi escrito por Vinícius de Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.