27/08/2025 - 7:57
Tarifas punitivas da Casa Branca a países do grupo superam às aplicadas ao resto do mundo. Em resposta, eles se articulam para ampliar seu comércio e reduzir dependência do dólar.O presidente dos EUA, Donald Trump, é acusado de estar, de forma inadvertida, contribuindo para aproximar os países do Brics, ao impor tarifas de importação particularmente mais altas contra eles. É o que acaba de acontecer com a Índia, que nesta quarta-feira (27/08) viu as taxas de importação americanas contra seus produtos subir para 50% – metade da alíquota é uma punição pelo país comprar petróleo russo.
O Brasil também está sujeito a uma tarifa geral de importação de 50%, como forma de pressionar o país a anular o julgamento sobre tentativa de golpe de Estado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado de Trump. Apesar de diversos produtos brasileiros terem entrado numa lista de exceções, o país está sujeito a uma das maiores alíquotas do mundo no tarifaço da Casa Branca.
A China, maior membro do Brics, ainda corre o risco de enfrentar uma tarifa de 145% se não conseguir chegar a um acordo com os EUA, e a África do Sul recebeu uma tarifa de 30%. Mesmo membros mais novos, incorporados na recente expansão do grupo, como o Egito, podem ver suas tarifas aumentarem devido à sua participação no Brics.
Desde o início do seu atual mandato, Trump alertou várias vezes sobre aplicar punições adicionais contra qualquer nação que se alinhe com o que ele chama de “políticas antiamericanas” – uma referência direta ao crescente desafio que o Brics representa ao domínio global dos EUA.
Trump deu ao Brics “incentivo comum”
Ajay Srivastava, ex-servidor do órgão de comércio externo do Índia (ITdS, na sigla em inglês), acredita que os países do Brics se sentem “pouco intimidados” por serem alvo de penalidades adicionais por parte de Trump. Ele disse à DW que as tarifas “dão ao Brics um incentivo comum para reduzir sua dependência dos EUA, mesmo que suas agendas divirjam”.
Segundo uma reportagem do jornal alemão FAZ, Trump fez quatro ligações telefônicas nas últimas semanas para tentar falar com o premiê da Índia, Narendra Modi, que ignorou todas as chamadas.
As tarifas punitivas da Casa Branca criaram uma queixa comum entre os membros do Brics, que agora estão expandindo acordos comerciais bilaterais em moedas nacionais para reduzir a dependência do dólar americano. Os bancos centrais do Brics também aumentaram as compras de ouro, o que também sinaliza o desejo de dar menos peso ao dólar em suas reservas.
No início de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que iria buscar uma resposta conjunta do Brics ao tarifaço de Trump.
Após Trump declarar que “o Brics está morto”, um pesquisador acusou o presidente dos EUA de “negligência estratégica”, argumentando que o republicano transformou uma coalizão de países com objetivos muito diferentes em um bloco mais unificado.
Em um artigo recente para o jornal Washington Post, Max Boot, membro sênior do think tank Council on Foreign Relations, disse que Trump estava “diminuindo o poder dos EUA ao unir de forma perversa amigos da América com nossos inimigos” – uma referência à forma como Brasil, África do Sul e Índia estão se alinhando mais estreitamente com China e Rússia.
Modi vai à China pela primeira vez em sete anos
Uma demonstração adicional da crescente solidariedade entre os membros do Brics será exibida em uma reunião de cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (SCO) em Tianjin, no norte da China, a partir deste domingo.
O presidente chinês, Xi Jinping, receberá seus homólogos indiano e russo, Narendra Modi e Vladimir Putin, além de líderes de cerca de 20 outros países do Sul Global. Esta será a primeira vez que Modi pisará em solo chinês em sete anos.
Antes da cúpula, o Kremlin vem pressionando para que China, Rússia e Índia realizem suas primeiras negociações trilaterais em seis anos, uma iniciativa que fortaleceria o núcleo da aliança do Brics. Moscou acredita que o reatamento do diálogo de alto nível entre os três maiores países do grupo poderia ajudar a acalmar tensões de longa data, especialmente entre a Índia e a China, e apresentar um contrapeso mais coeso ao Ocidente.
Nova Délhi recalibra abordagem sobre Pequim
A significativa tarifa aplicada por Trump levou Nova Délhi a fortalecer os laços econômicos com a China, retomando voos diretos, flexibilizando as restrições de visto e aumentando as discussões comerciais.
Os dois países também tiveram conversas para tentar resolver disputas de longa data ao longo de sua fronteira de fato de quase 3.500 quilômetros.
Durante uma visita à Índia na semana passada, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, concordou em aumentar o fornecimento de minerais de terras raras aos indianos. A China controla mais de 85% do processamento global de terras raras, e a Índia precisa desses minerais para desenvolver produtos para a transição energética, veículos elétricos e tecnologias de defesa.
Mas, apesar de se apoiarem mutuamente para sediarem as cúpulas do Brics em 2026 e 2027, há várias razões para ceticismo sobre uma melhora significativa nas relações sino-indianas, dadas as suspeitas de Nova Délhi sobre as ambições da China na Ásia.
Shilan Shah, economista-chefe adjunto de mercados emergentes da consultoria Capital Economics, sediada em Londres, citou as relações estreitas da China com o principal inimigo da Índia, o Paquistão, e a construção de uma barragem hidrelétrica chinesa no planalto tibetano, o que causou inquietação em Nova Délhi.
Em um artigo, Shah também observou que “o influxo de importações chinesas baratas” estava “prejudicando os esforços da Índia para fortalecer sua indústria doméstica”.
Além da desconfiança da Índia sobre a China, seus laços de longa data com Washington podem prejudicar a ambição de fazer o Brics avançar. A Índia depende fortemente do mercado e da tecnologia americanos, e exportou 77,5 bilhões de dólares (R$ 433 bilhões) para os EUA em 2024, contra exportações muito menores para a Rússia e a China.
Outros países do Brics reforçam laços com China
O Brasil também tentou impulsionar o comércio bilateral com a China, seu maior parceiro comercial, durante uma ligação telefônica no início do mês entre Xi e Lula. A China compra 26% das exportações do Brasil – o dobro do que os Estados Unidos.
A presença muito simbólica de Xi ao lado de Putin no desfile do Dia da Vitória da Rússia, em maio, ressaltou o aprofundamento do alinhamento estratégico entre Moscou e Pequim. Mais de 90% do comércio bilateral entre a Rússia e a China agora é realizado em yuan e rublos, de acordo com o Kremlin.
A África do Sul também permanece firme em seus compromissos com o Brics, sinalizando sua intenção de traçar seu próprio caminho apesar da pressão de Trump.
“O governo sul-africano não está disposto a reverter nenhum de seus compromissos com o Brics, especialmente sobre reforma da governança global, tecnologia, agricultura, intercâmbios acadêmicos e comércio bilateral”, disse Sanusha Naidu, pesquisadora sênior do Instituto para o Diálogo Global, com sede na África do Sul, à DW.
Ambições divergentes dentro do Brics
Recém-expandido de cinco para dez membros – com a Arábia Saudita ainda indecisa sobre a adesão –, o Brics está se tornando cada vez mais fragmentado, devido a interesses nacionais divergentes, o que pode limitar suas ambições. Ele também está se tornando mais autoritário.
Srivastava, que fundou a Iniciativa de Pesquisa Comercial Global, com sede em Nova Délhi, disse que o Brics “tem menos a ver com unidade perfeita e mais com cooperação pragmática em comércio, finanças e cadeias de abastecimento”.
Embora o comércio entre os países do Brics tenha crescido mais rapidamente do que o comércio entre o Brics e os países do G7, grande parte dele é de petróleo e gás. E o comércio intra-Brics está sujeito a mais barreiras do que as existentes entre os países do Ocidente, segundo uma pesquisa do Boston Consulting Group (BCG).
O BCG identificou sinais futuros de que a cooperação comercial do Brics estava aumentando, incluindo uma reversão de medidas antidumping e outras restrições comerciais, movimentos em direção a um acordo de livre comércio em todo o Brics, apoio unânime à reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) e mais investimentos estrangeiros entre os países do bloco.
Comércio intra-Brics deve crescer mais
Embora essas ambições possam não se concretizar imediatamente, Mihaela Papa, diretora de pesquisa do Center for International Studies do MIT, em Cambridge, nos EUA, projeta que o comércio intra-Brics ficará mais relevante.
“Podemos esperar maior apoio político para novas iniciativas comerciais, campanhas ‘Compre Brics’ e projetos como a bolsa de grãos do Brics e a expansão dos mecanismos de liquidação em moeda local”, disse Papa à DW.
Uma proposta apoiada pela Rússia para uma moeda única do Brics para desafiar o dólar permanece em compasso de espera, sugerindo um futuro moldado menos por sistemas financeiros concorrentes e mais por uma colcha de retalhos de redes sobrepostas.
Srivastava prevê que o dólar seguirá “dominante por anos, mas os sistemas paralelos de liquidação em yuan, rupia e rublo crescerão”. Isso não destronará o dólar, disse ele à DW, “mas irá minar gradualmente seu monopólio”.