09/12/2025 - 7:23
Presidente americano abandona curso adotado desde o fim Guerra Fria e adota discurso de seu movimento em documento que define rumos da política externa do país.Um dos principais lemas do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parece mais próximo da realidade do que nunca. “Em tudo o que fazemos, colocaremos a América em primeiro lugar”, diz a introdução do documento estratégico de 29 páginas, divulgado recentemente, que define a atual política externa americana.
A Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês) não determina políticas, mas sim, define a visão de política externa do governo. Publicado regularmente, o documento determina as diretrizes de como o governo americano pretende conduzir sua política de segurança no futuro. Mas isso pode mudar em casos de eventos mundiais inesperados.
Andrew Payne, especialista em política externa americana, cita como exemplo a versão de 2022, divulgada durante o mandato do ex-presidente Joe Biden que não mencionou significativamente o Oriente Médio. A NSS, porém, impacta sobre como os recursos governamentais são alocados, além de orientar governos estrangeiros sobre as intenções dos EUA.
“Mesmo que os princípios e prioridades ali estabelecidos não sejam seguidos, o documento é a melhor fonte disponível para quem busca clareza sobre a direção de um governo que até agora tem sido inconsistente e imprevisível”, disse Payne, diretor de pesquisa do think tank de relações internacionais Chatham House.
O que diz o documento da Estratégia de Segurança?
Além de muita autoglorificação e uma rejeição da política externa tradicional dos EUA, Trump apresenta um plano “América em primeiro lugar” bem mais reforçado do que o de 2017, divulgado durante seu primeiro mandato na Casa Branca.
“Após o fim da Guerra Fria , as elites da política externa dos EUA se convenceram de que a dominação americana permanente do mundo inteiro era do interesse do nosso país”, afirma a introdução do documento. “No entanto, os assuntos de outros países só nos dizem respeito se as suas atividades ameaçarem diretamente os nossos interesses.”
Como tal, os principais pontos da estratégia são um afastamento da intervenção americana no exterior, do multilateralismo e dos organismos internacionais, e uma aproximação à autodeterminação nacional, pelo menos até onde isso convém aos EUA.
A NSS propõe que os EUA tenham controle total de suas fronteiras, as “forças armadas mais poderosas, letais e tecnologicamente avançadas do mundo” e “a economia mais dinâmica, inovadora e avançada”, além de manter uma influência de soft power em todo o mundo para seu próprio benefício.
Em termos globais, o documento defende um “corolário Trump” à Doutrina Monroe , estabelecida em 1823 e relacionada à autodeterminação dos EUA em meio à intervenção europeia. O texto menciona a necessidade de impedir que “uma potência adversária domine o Oriente Médio” e observa que o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia é um objetivo fundamental, juntamente com o combate ao narcotráfico no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico Oriental, ao mesmo tempo que pede que outras nações assumam uma parcela maior da responsabilidade em assuntos globais.
O documento também afirma que a Europa enfrenta a “perspectiva de extinção civilizacional “, que alguns países europeus estarão “irreconhecíveis em 20 anos ou menos” e questiona se eles são “fortes o suficiente para permanecerem aliados confiáveis”.
A mensagem geral de isolacionismo americano nem sempre é aplicada de forma consistente. A Estratégia de Segurança defende a “preeminência” dos EUA no Hemisfério Ocidental e na América Latina em particular, e declara que “recompensaremos e incentivaremos os governos, partidos políticos e movimentos da região que estejam amplamente alinhados com nossos princípios e estratégias”.
Nova direção da política externa dos EUA?
Embora esses objetivos estratégicos não se tornem necessariamente a política oficial, a declaração marca uma mudança radical em relação à estratégia divulgada por Biden em 2022. Segundo Payne, a guinada representa a rejeição fundamental e explícita das estratégias de segurança desenvolvidas pelos EUA desde pelo menos o fim da Guerra Fria.
“Fica mais claro no que ela não é: a ortodoxia internacionalista liberal tradicional que sustentou a grande estratégia dos EUA por décadas”, observou Payne.
Para Rubrick Biegon, professor de relações internacionais da Universidade de Kent, na Inglaterra, a nova estratégia está em sintonia com as mudanças mais amplas de seu segundo mandato. “Parece estar em consonância com as mudanças que ocorreram entre Trump e Trump 2.0. O documento atual está mais alinhado com a visão de mundo peculiar de Trump do que o de 2017.”
Biegon acrescenta que isso se deve em parte ao fato de “Trump estar mais confortável em sua posição desta vez e ter mais pessoas de sua própria equipe ao seu redor, em vez de figuras do establishment”.
Rússia satisfeita e Europa preocupada
Na Rússia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, saudou o documento como sendo “em grande parte consistente com a nossa visão” e um “passo positivo”. Outros na Europa demonstraram preocupação.
“Não podemos aceitar a ameaça de interferência na vida política da Europa”, disse o presidente do Conselho Europeu, António Costa, nesta segunda-feira (09/12) em Bruxelas.
O ministro do Exterior da Alemanha, Johann Wadephul , afirmou que seu país não precisa de “conselhos externos” após a divulgação da Estratégia de Segurança Nacional, mas que os EUA continuam sendo “nosso aliado mais importante na aliança [da Otan]”. “Acredito que questões de liberdade de expressão ou a organização de nossas sociedades livres não pertencem [à estratégia], pelo menos não no que diz respeito à Alemanha”, disse Wadephul.
A chefe da diplomacia da União Europeia (UE) , Kaja Kallas, adotou um tom semelhante. “Acho que nem sempre concordamos em todos os assuntos, mas acredito que o princípio geral permanece”, disse Kallas. “Somos os maiores aliados e devemos permanecer unidos.”
Continuidade da doutrina Maga
Para a pesquisadora de relações internacionais do Carnegie Europe Judy Dempsey, o documento é uma continuação da política do movimento trumpista Maga (Make America Great Again). “Agora está escrito preto no branco o que há muito vinha sendo sinalizado”. Dempsey ressalta que a estratégia deixa claro que os EUA “pretendem promover a resistência ao curso atual da Europa dentro das nações europeias”. Isso pode significar o fortalecimento a apoio com partidos e movimentos de extrema direita .
Enquanto muitos observadores da UE olham com preocupação para os sinais vindos dos EUA, líderes políticos europeus continuam defendendo a parceria transatlântica. Para Dempsey, a nova estratégia americana, porém, “é um duro golpe vindo dos Estados Unidos”. A especialista não espera uma reação europeia, pois o bloco não possui uma estratégia comum apoiado por todos os países-membros.
