01/07/2011 - 0:00
Teste em Stanford
Uma tarefa interessante foi apresentada a jovens da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Os estudantes deveriam notar se um dos retângulos vermelhos de uma amostra com vermelhos e azuis mudava de ângulo de uma imagem a outra. Os multitarefeiros pesados não conseguiram detectar a pequena mudança no tempo permitido. Enquanto os multitarefeiros leves foram melhor sucedidos.
Quantas janelas você abre no computador enquanto checa seus e-mails e atualizações de amigos em redes sociais pelo celular? Você consegue cozinhar, conversar ao telefone e pôr o bebê para dormir com igual competência? Cuidado. O bombardeio de informações e a quantidade de tarefas a serem executadas ao mesmo tempo podem comprometer sua capacidade de concentração e, no final das contas, você acabará não fazendo nada direito. Ter um perfil multitarefeiro, muito associado à “geração Y” – jovens nascidos nos anos 80 –, pode também ser sinônimo de falta de atenção e de trabalho mal feito – o que afeta a empregabilidade.
Quando as novas gerações começaram a demonstrar facilidade em lidar com novas tecnologias e se adaptar ao bombardeio de informações dos meios de comunicação, educadores e empregadores arregalaram os olhos e apostaram nesse novo perfil de trabalhador do futuro. “A geração Y não tem aquele padrão de pensamento linear.
A Geração Y no mercado
“As empresas ainda têm receios sobre a falta de comprometimento da Geração Y no trabalho”, declara Eline Kullock, presidente do Grupo Foco RH: “Pois eu digo eles vestem, sim, a camisa da empresa. Só que não tiram sua própria camisa antes”, analisa. Isso quer dizer que quem nasceu depois dos anos 80 não é um irresponsável, mas alguém que visa também a sua própria evolução.
A facilidade em lidar com os diversos tipos de tecnologia e a adaptação ao bombardeio de informação traz um problema: a falta de concentração. Então, é provável que chefes da geração anterior notem que, depois de uma longa reunião, seu funcionário Y demonstrará cansaço. Além disso, outra diferença notável é que a geração Y questiona (bem) mais. “Eles questionam mais e, portanto, nos fazem refletir mais. Com eles, trabalhamos menos automaticamente.
As gerações anteriores não questionavam tanto, aceitavam orientações, procedimentos e normas. E quando você tem uma geração que questiona mais, é obrigado a repensar sobre o que está fazendo e por que está fazendo”, reflete Eline. Toda geração tem sua história, seus pontos positivos e negativos. No entanto, elas se complementam e a química pode induzir a bons trabalhos. “Não é porque é diferente que é ruim; diversidade significa complemento”, finaliza.
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Acostumados a lidar com tecnologia, internet e hyperlink, eles mudam de um assunto para outro muito rapidamente”, diz a especialista em gerações Eline Kullock, presidente do Grupo Foco, empresa de recrutamento e consultoria de recursos humanos. Com a demanda de informação nos dias de hoje, em que um incidente em qualquer canto pode repercutir em vários países ao redor do mundo, o tempo de concentração diminuiu. “O cérebro está acostumado a ir de um link para outro. Ficar muito tempo em uma mesma questão pode ser cansativo”, analisa.
Aí é que mora o perigo. Do ponto de vista dos departamentos de recursos humanos, esse pouco tempo de concentração pode ser um problema para a geração Y nas empresas, principalmente porque as organizações precisam da dedicação de tempos longos a reuniões extensas. “Para mim, a solução estará na discussão dessas dificuldades de gerações, para que se possa lidar com essas diferenças.” Ela defende que a entrada da geração Y no mercado de trabalho só tem a complementar e a enriquecer a experiência das empresas. “Eu chamo essa geração de geração do muito. Hoje, há muito de tudo: vários canais de televisão, marcas de carros, computador, celular. Além disso, muita informação. A tropa da geração Y está acostumada a lidar com esse caos. Eles tomam decisões mais rapidamente”, afirma.
Ciência da multitarefa
O conceito de multitarefismo ainda não está definido com exatidão. “Temos a capacidade de dividir nossa atenção em mais de um foco, mas quanto mais tarefas fazemos ao mesmo tempo, menos prestamos atenção em cada uma delas em particular”, explica Arthur Kümmer, professor e membro do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Ou seja, sem dúvida é possível dividir a atenção entre cozinhar arroz e feijão ao mesmo tempo, mas, se a campainha tocar e o bebê chorar, é muito provável que a comida queime.
No que diz respeito à interação entre os humanos e as novas mídias, o multitarefismo se refere a executar duas ou mais atividades midiáticas ao mesmo tempo, não importando o modo como sejam feitas. Exemplo disso são os jovens que pesquisam a lição de casa na internet ao mesmo tempo em que atualizam o Orkut e enviam mensagens SMS. “A melhor hipótese sobre multitarefismo hoje é que fazemos uma tarefa por um tempo e depois trocamos para outra. Todos concordam que não podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo”, argumenta Clifford Nass, do Laboratório de Comunicação entre Humanos e Mídia Interativa da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.
A alternância de tarefas remete à ideia de que uma pessoa não pode consumir mais de uma mídia ao mesmo tempo, por isso troca de foco de uma para outra. “Uma das hipóteses da realização de multitarefas é que as pessoas as alternam. Não há dúvida que, ao consumir quatro mídias de uma vez, trocamos de tarefa frequentemente”, esclarece Nass. “Mas com apenas duas tarefas há um debate sobre se a pessoa alterna tarefas ou é capaz de fazer as duas coisas ao mesmo tempo.”
Alguém que consiga realizar mais de uma atividade simultânea é uma exceção, e não a regra, dada a incapacidade de se processar várias informações ao mesmo tempo com excelência em ambas. “Uma coisa a se investigar no futuro é se o fato de ser multitarefeiro traz algum benefício. Infelizmente, as evidências que temos até agora são de que as pessoas assim qualificadas não estão mais adaptadas, mesmo quando é necessária alternância de atenção em mais de uma tarefa”, observa Kümmer.
Consumidores de mídia
A aposta em trabalhadores multitarefeiros está muito voltada à quantidade de informação que alguém pode absorver frente às diversas fontes de dados eletrônicos disponíveis hoje. Durante um tempo, os entusiastas olhavam os jovens estudando enquanto mantinham conversas por messenger e enxergavam um grande potencial.
No entanto, as pesquisas mostram que aqueles que mantêm foco em mais de uma atividade são uma raridade. O que se tem hoje são pessoas que, devido ao meio em que estão inseridas, se tornaram “multitarefeiras crônicas” mas não conseguem ser boas nos atributos relacionados ao multitarefismo: prestar atenção somente ao conteúdo relevante, armazená-lo na memória e alternar o foco nas tarefas.
Um estudo recente, feito por um grupo de pesquisadores da Universidade Stanford, analisou cerca de 100 estudantes da instituição e separou-os em dois grupos: os multitarefeiros de mídia pesados (HMM – heavy media multitasker) e os leves (LMM – light media multitasker). Os pesados são aqueles que consomem mais de quatro mídias toda hora, mesmo que os conteúdos não estejam relacionados com sua atividade atual. Já os leves são aqueles que, apesar de expostos às diversas mídias, costumam executar uma tarefa de cada vez.
Devido ao aumento de tecnologias interativas e do fluxo de informações via internet e aparelhos eletrônicos, muitas pessoas se tornaram multitarefeiras pesadas. No início do estudo, a hipótese era que elas seriam mestras em concentração. A conclusão, no entanto, foi contrária às expectativas.
Os cientistas constataram que os HMM que relataram fazer multitarefas com frequência faziam isso pior do que os LMM. “Os resultados mostram que os HMM são mais suscetíveis a interferências de estímulos irrelevantes do ambiente e de representações irrelevantes na memória”, diz o estudo. Os HMM também se saíram muito mal nos testes de alternância de tarefa e demoraram mais que os LMM na hora de mudar de foco.
Parecido, mas bem diferente
É falsa a associação entre multitarefismo e o “déficit de atenção com hiperatividade” (TDAH) que assustou pais e educadores tempos atrás. Apesar dos problemas comuns de concentração, Arthur Kümmer, da Universidade Federal de Minas Gerais, garante que a relação direta é errônea. Quem tem TDAH não necessariamente realiza multitarefas e viceversa, embora as pessoas multitarefeiras pesadas apresentem dificuldade de atenção. “Há evidências de que pessoas com TDAH têm performance muito pior do que as demais ao realizar multitarefas”, afirma Kümmer.
Estresse emocional
Nass e os demais pesquisadores do Laboratório de Comunicação entre Humanos e Mídia Interativa também relatam outras consequências do multitarefismo pesado que envolve déficit cognitivo e socioemocional. O fato de os multitarefeiros pesados terem dificuldade em descartar estímulos irrelevantes faz com que não consigam se concentrar por muito tempo, o que pode prejudicar o aprendizado. “Multitarefeiros pesados são muito piores em administrar a memória de trabalho e se distraem facilmente. Portanto, a tomada de decisão também fica comprometida”, explica Nass.
Os cientistas fizeram uma pesquisa online com 3.400 meninas entre 8 e 12 anos para analisar o tempo que passavam utilizando mídias e o impacto socioemocional causados por esse uso. Eles notaram efeitos muito negativos relacionados às multitarefas. “Entre as meninas pesquisadas, as multitarefeiras pesadas têm o desenvolvimento social e emocional prejudicado”, observa Nass. A justificativa é que elas interagem menos pessoalmente e isso acarreta menor entendimento de si mesmas e das emoções dos outros. “Também há evidência de que pessoas que realizam multitarefas em grande escala, quando adultas, têm menos inteligência emocional que os que fazem multitarefas com pouca frequência”, relata o pesquisador.
Nass alerta que, de modo geral, as pessoas já sentem, atualmente, estresse e vários problemas emocionais relacionados à correria da multitarefa. Pouco tempo de descanso, cabeça atolada de problemas e impossibilidade de concentração por mais de 20 minutos em uma leitura, por exemplo, são características marcantes das mentes altamente atarefadas. “A sociedade, normalmente, comete um terrível engano ao encorajar as pessoas a realizar multitarefas”, opina.
Vivência, não bytes
Pais e responsáveis costumam ficar preocupados ao observar crianças fazendo lição de casa. A TV normalmente está ligada enquanto o jovem resolve um problema de matemática ao mesmo tempo em que conversa com os amigos por meio de messenger. O problema do excesso de estímulos é que ele pode sobrecarregar alguns “circuitos” do cérebro, como os responsáveis pela memória de trabalho (a capacidade de armazenar e manipular informações na mente, necessárias para executar tarefas num determinado tempo), ocasionando a fácil distração.
“Diminuir o número de distrações às quais crianças e adolescentes estão suscetíveis é um desafio para pais e professores”, ressalta Kümmer. “Por outro lado, o próprio avanço tecnológico possibilita atividades educacionais mais interessantes e capazes de prender a atenção dos alunos”, pondera. Geralmente, os educadores podem utilizar esses recursos para capturar a atenção dos estudantes. Mesmo fazendo tudo ao mesmo tempo, algumas coisas simplesmente atraem mais e, de repente, nos pegamos focados nela por estarmos muito motivados a realizar essa atividade.
Nass recomenda que os adolescentes invistam mais tempo nos relacionamentos presenciais com outros, principalmente entre os 8 e 12 anos de idade, fase em que há o desenvolvimento e o aprendizado emocional. O contato humano é essencial, pois, na relação entre pessoas, aspectos como tom de voz, postura, gestos e expressões faciais são muito importantes e só podem ser entendidos com a vivência. “Os indivíduos HMMs também devem se forçar a passar pelo menos 20 minutos realizando uma tarefa antes de trocar”, sugere Nass.
Peças raras
Pesquisadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, estudaram um mito: pessoas que conseguem falar ao telefone e dirigir ao mesmo tempo, sem que uma das tarefas seja prejudicada. “Usei o termo ‘supertarefeiros’ para caracterizar um subgrupo da população, de apenas 2,5%, que possui uma habilidade extraordinária em multitarefa, o que significa que o custo associado a ela é inexistente ou reduzido”, explica Jason Watson, um dos autores do estudo.
O teste aplicado foi o seguinte: em um simulador de pista movimentada, a pessoa devia dirigir ao mesmo tempo em que falava no celular por meio de fones. A tarefa era conduzir o veículo com segurança e memorizar uma série de duas a cinco palavras respondendo se a conta matemática estava correta. Por exemplo, “3-1+2=2?”, “gato”, “2×2+1=4?”, “caixa”. De 200 estudantes testados, apenas 5 foram classificados como “supertarefeiros”.
Mais estudos sobre essa habilidade tão cobiçada na atualidade estão sendo feitos por Watson. Também é importante ressaltar que as pesquisas não se contrapõem ao trabalho realizado em Stanford, por tratarem de áreas de tarefas diferentes. “Estamos usando o trabalho do professor Nass para avaliar as diferenças individuais sobre a autodenominação de multitarefeiro. Seria interessante também ver como os supertarefeiros lidam com essas pesquisas ou outros paradigmas de controle de atenção publicados pelo professor Nass”, argumenta.
Os cientistas observam que, mesmo existindo uma pequena parcela de 2,5% da população capaz de realizar multitarefas, muitos se julgam parte dessa minoria. “No mundo real, pelo menos quando se fala em celular e condução de veículo, os custos da multitarefa podem ser memoráveis – até mesmo mortais”, observa Watson. “É preciso ponderar o uso desse potencial e as consequências a longo prazo da supervalorização da multitarefa”, conclui.
Texto: maira@planetanaweb.com.br