01/08/2007 - 0:00
Saltar no vazio preso apenas por uma corda, baixar as corredeiras de um caudaloso rio de montanha e andar entre as árvores em trilhas cambaleantes. Tudo isso, há algumas décadas, pareceria parte de um intenso treinamento militar de sobrevivência na selva. Mas hoje essas tropas de elite invadem nossas matas e montes. Jovens de todas as idades buscam vencer medos e utilizam o turismo e o esporte de aventura para romper limites.
O turismo de aventura está em alta no Brasil. Uma prova é a Adventure Sports Fair, que acontece anualmente em São Paulo desde 1999. É a feira mais importante da América Latina nesse setor e, no ano passado, gerou negócios na ordem de R$ 100 milhões. Entre 22 e 26 de agosto, os organizadores esperam um mínimo de 80 mil visitantes. “Em 1999, existia apenas uma dezena de destinos de aventura”, explica Sergio Franco, idealizador da iniciativa. “Hoje são mais de mil opções.”
O município paulista de Brotas é uma delas. Situado a noroeste de São Paulo, é considerado como a capital do turismo de aventura. Em 1993, alguns temerários ousaram investir no local, aproveitando o relevo, as cachoeiras e as paisagens. Depois de formar tantos especialistas, a cidade passou a exportar mão-de-obra especializada.
Anderson Florêncio foi um dos que saíram de Brotas para participar da criação de um novo pólo de turismo de aventura em Socorro, a 130 quilômetros da capital paulista, o Parque dos Sonhos. “Fui sargento de escalada no Exército, me profissionalizei em Brotas. Aqui, no parque, tive a oportunidade de desenhar todas as atividades de aventura”, conta ele.
Gerente da iniciativa, Anderson me conduz à sala dos equipamentos, onde capacetes, ganchos, cordas e mosquetões estão preparados. Auxiliado por duas monitoras, as irmãs Vânia e Vivian Oliani, ele me explica algumas das 14 atividades praticadas no local. “O rapel é uma escalada ao inverso. Com o apoio de cordas e de um gancho que serve de freio, a pessoa vai deslizando de maneira controlada ao lado de um paredão de rocha. Aqui, no parque, o melhor visual é quando descemos do topo da Pedra Grande”, diz.
“Para que as pessoas possam tirar os pés do chão e ter uma perspectiva diferente – desde o alto das árvores –, o arvorismo é a pedida”, continua o exsargento de escalada. “Temos um circuito onde os participantes devem atravessar pontes pênseis ou obstáculos de madeira e andar nas alturas usando cordas e redes. É uma forma de o jovem se integrar mais à natureza.” No parque, o percurso completo tem 800 metros e possui 18 segmentos diferentes.
As irmãs Vânia e Vivian Oliani nasceram a três quilômetros do parque, no bairro da Varginha. Seus avós italianos chegaram ao Brasil para trabalhar na cultura do café. Seu pai ainda vive da terra: produz café e leite. Mas as duas filhas e o filho mais novo descobriram que o turismo de aventura pode significar uma alternativa profissional para a nova geração.
Os três Olianis trabalham no parque, fazendo de tudo um pouco, desde vistoriar o equipamento até acompanhar os aventureiros em suas peripécias. Vânia, de 20 anos, está interessada em se aprofundar no tema. “Pretendo fazer faculdade de turismo ou de educação física”, revela a jovem.
Pânico é adiado para amanhã
Sua irmã Vivian acabava de descer em uma das tirolesas. Sorrindo – e com a adrenalina e dopamina ainda em alta –, ela me lançou o desafio: “E você, só vai fotografar?” Minha resposta se limitou a um sorriso e uma só palavra, “amanhã”.
Vivian tinha razão. A tirolesa é uma das atividades mais estimulantes nesse segmento de aventura. Foram construídas algumas no Parque dos Sonhos e seus nomes dão uma mostra das sensações: Tirolesa do Calafrio, do Arrepio, do Berro e do Pânico. Esta última tem um quilômetro de extensão e se encontra a mais de 150 metros de altura do chão. Os dois cabos de aço da tirolesa começam no topo da Pedra Grande, um maciço de granito no município paulista de Socorro.
… Paraíso radical
João Makray atravessa o Rio Cachoeirinha em uma das tirolesas do parque. Abaixo à esquerda, ele inicia o percurso de arvorismo. Na foto à direita, o garoto Marc, 8 anos, se aventura pela Tirolesa do Sonhos, sob forte chuva. Abaixo, a produtora de vídeo Ana Rita Aranha pratica rapel em uma das encostas da Pedra Grande.
Depois de cruzar o Rio Cachoeirinha, pelo alto, a quase 60 quilômetros por hora, o praticante aterriza no município de Bueno Brandão, em Minas Gerais. “A Tirolesa do Pânico deve ser a mais longa do Brasil, talvez até mesmo da América Latina. Estamos pesquisando outras tirolesas no mundo para saber se entramos no livro dos recordes ou não”, brinca Anderson, orgulhoso de sua obra.
Sonho é compartilhado com os outros
O Parque dos Sonhos tornou-se realidade quando José Fernandes Franco, exdiretor de marketing de uma multinacional, resolveu dar um chute no balde corporativo e estar mais próximo à natureza. “Em 1997, transformei meu sítio em Socorro em um hotel fazenda, o Campo dos Sonhos. Inspirado no que eu havia aprendido na Europa sobre agroturismo e turismo rural, comecei a atrair visitantes interessados na nossa saudável cultura caipira”, lembra Zé Fernandes, que logo complementa: “Quis compartilhar o meu sonho de voltar para o campo com outros e deu certo.”
A partir do ano 2000, contando com o estímulo de seu irmão Sergio Franco (o mesmo da Adventure Fair), Zé Fernandes comprou 35 hectares de terras entre Socorro e Bueno Brandão, para montar sua “Terra da Aventura”. “Sempre gostei de ser pioneiro nos meus empreendimentos. Em Socorro, fui o primeiro a investir nesse tipo de atividade e a primeira tirolesa foi inaugurada em 2002”, declara o empresário, que já investiu mais de R$ 600 mil na natureza.
Socorro, vendida aos visitantes como estância de água mineral e capital da malharia, alberga hoje mais de 20 locais onde são praticadas 24 atividades de aventura. A grande maioria delas não poderia acontecer sem o Rio do Peixe (e seu afluente Cachoeirinha) e sem as montanhas da Serra da Mantiqueira. Os remanescentes de Mata Atlântica dão um encanto adicional a essa paisagem de vales e montes.
Entre os esportes radicais, os aquáticos são muito procurados. Os desafiantes usam caiaques, bóias, canoas e outros meios infláveis para desafiar as corredeiras. Mesmo se a água é fria – tudo isso acontece entre 800 e 1.000 metros de altitude –, a vontade de chegar ao final e o vigoroso exercício físico fazem com que o corpo vença a baixa temperatura.
Para celebrar o pôr-do-sol, alguns integrantes de nosso grupo decidem subir ao topo da Pedra Grande. De quebra, alguns resolvem que descer um dos paredões nessa hora mágica também faz parte da aventura. Ana Rita Aranha, uma produtora de vídeo fascinada pelos esportes radicais, pediu para ser a última. Ela baixou pela corda quando a penumbra já tomava conta do ambiente, mas afirma que, lá de cima, a paisagem da Mantiqueira é inesquecível.
Salvo pelas flores
No dia seguinte pela manhã, Vivian veio ao meu encontro logo que chegamos ao parque. Seu sorriso maroto insinuava que ela faria o mesmo desafio da véspera. Entretanto, graças ao Zé Fernandes, que insistia para que eu visitasse a Ilha das Bromélias, consegui adiar a minha promessa de descer em tirolesa. “Fui salvo pelas flores”, pensei.
Zé Fernandes gosta tanto de ser pioneiro no que faz que ele decidiu tornar o parque de aventuras acessível às pessoas com deficiências. Não apenas para que elas curtam a paisagem, mas também para que participem das atividades. Junto à ONG Aventura Especial, o empresário desenvolveu “cadeirinhas” que podem amarrar paraplégicos e tetraplégicos que desejam experimentar essas novas sensações.
“Criamos um sistema de segurança adequado aos que são portadores de deficiências físicas e este funcionou perfeitamente”, comenta Zé Fernandes. “É emocionante ouvir os depoimentos depois que eles fazem uma tirolesa. Todos ficam deslumbrados com a impressão de liberdade.”
A exemplo do que aconteceu em Brotas, o turismo de aventura está diretamente relacionado com o desenvolvimento do município de Socorro. Os novos visitantes trazem recursos que não eram absorvidos anteriormente, além de abrir demanda para empregos adicionais. A vinda de turistas para admirar e vivenciar as paisagens do município também provoca nos habitantes locais um sentimento de orgulho por suas terras.
… Escalada ao Pânico
Topo da Pedra Grande, de onde se “embarca” na Tirolesa do Pânico. Com um quilômetro de extensão, o seu trajeto é possivelmente o mais longo da América Latina. Para alcançar o cume da Pedra Grande, é preciso fazer a escalada a pé ou em veículo 4 x 4 (abaixo). À esquerda, uma siriema, espécie que habita a região. À direita, bromélias da Mata Atlântica existentes na Ilha das Bromélias.
Entretanto, o maior beneficio que o turismo de aventura pode acarretar é o envolvimento das populações locais nas iniciativas. Trabalhando como guias ou monitores, os jovens da região deixam de emigrar para as grandes cidades em busca de emprego e passam a valorizar o mundo rural. Mais ainda, conscientes de que a destruição ambiental afetaria negativamente seu ganha-pão, eles se tornam defensores do meio ambiente. O caso dos irmãos Oliani transformouse, para mim, em um exemplo vivo de como o turismo de aventura traz vantagens tangíveis para as famílias nativas.
Estava quase na hora da despedida quando Vivian Oliani veio em minha direção com o equipamento completo de tirolesa nas mãos. “Agora é sua vez”, afirma, sem aceitar desculpa alguma. Concordei sem piscar, segui os exercícios de alongamento sem reclamar e, pronto para a aventura, assumi: “Só desço se for na Tirolesa do Pânico, a maior, de mil metros.”
Acompanhado apenas pelo zumbido agudo da fricção das roldanas nos cabos de aço, passei um minuto completo sobrevoando as matas dos dois Estados e as cascatas do Rio Cachoeirinha. Foi a ponte aérea entre São Paulo e Minas Gerais mais rápida que realizei. Vivian, valeu o empurrão!
Serviço
Hotel Fazenda Campos dos Sonhos, Socorro, SP, tel. (19) 3895.3161, e-mail: www.campodossonhos.com.br. Terra da Aventura Parque dos Sonhos, Socorro, SP, tel. (19) 3955.2870, e-mail: www.parquedossonhos.com.br. Adventure Sports Fair, Bienal do Ibirapuera, São Paulo, SP. De 22 a 26 de agosto de 2007. E-mail: www.adventurefair.com.br.
Praticar rapel, tirolesa ou arvorismo é um dos 150 lances do Teste de Viajologia Brasil
Clube de Viajologia
Texto e fotos: Haroldo Castro haroldo@viajologia.com.br/ www.viajologia.com.br
Haroldo Castro, fotógrafo, jornalista e conservacionista, documentou 133 países. Ele é o fundador do Clube de Viajologia.