Sede do Mundial de Futebol, o país oferece ao visitante outro atrativo realmente único: passar alguns dias na savana, abrigado em tendas de campanha, ao lado de animais selvagens. Nossos repórteres foram lá experimentar. Levaram um susto, mas adoraram

 

As instruções dos guias foram claras e reiteradas, logo após nossa chegada ao local onde fora armado o camping: era proibido andar fora das trilhas do acampamento; depois do pôr do sol, o visitante só podia sair de sua tenda acompanhado por um guia. Começou assim nossa viagem/aventura num Tented Camp da Wilderness-Safaris, no coração do Parque Nacional Mapungubwe, na África do Sul, quase na fronteira com o Zimbábue.

Só houve tempo para um café, e já estávamos a postos no jipe para o safári da tarde, ainda sob sol forte. Robert Fink, o guia, anunciou: “Agora vamos procurar leões e, à noite, vamos ver se encontramos leopardos.” Durante as quatro horas seguintes, aprendemos a reconhecer as pegadas e os montículos de fezes que indicam há quanto tempo os animais passaram por aquele local.

 

Sede do Mundial de Futebol, o país oferece ao visitante outro atrativo realmente único: passar alguns dias na savana, abrigado em tendas de campanha, ao lado de animais selvagens. Nossos repórteres foram lá experimentar. Levaram um susto, mas adoraram

Em Mapungubwe, como nos outros parques nacionais sul-africanos, os animais vagam totalmente soltos. Nós, visitantes, é que nos deslocamos bem protegidos. Cruzamos com girafas, leões, hipopótamos búfalos, gazelas, porcos selvagens e várias aves. De repente, perto de um riacho, uma cena forte: 17 leões, entre adultos e filhotes, devoravam a carcaça de um búfalo recém-abatido. “Usaram uma das mais eficazes táticas de caça na savana: escondido, o grupo esperou a presa se aproximar para beber água no riacho e, quando ela estava distraída… crau! Adeus, búfalo”, disse Fink.

Depois que o sol se pôs, a temperatura baixou a padrões que nos pareceram siberianos. Mesmo assim, saímos para o programa noturno, procurar leopardos. Alguns deles tinham sido vistos nas imediações, devorando lentamente suas presas levadas para o alto das árvores. Ao voltarmos, vimos as poucas luzes de nosso acampamento e, com certa preocupação, bandos de leões circulando por ali. “Construímos o campo no quintal desses animais”, disse Fink.

Servido com esmero, o jantar foi saboroso e regado a bons vinhos sul-africanos. Seguiu-se um bate-papo ao pé do fogo, no qual o tema dominante era o que permanecia na cabeça de todos nós: a ferocidade, a agilidade e as estratégias de caça dos animais carnívoros. Uma senhora norte-americana contou como levara uma patada de urso no Parque Yellowstone. Guia de turismo, ela teve de fazer uma plástica radical no rosto. “Só escapei porque me fingi de morta.” Outro guia contou como um jovem japonês morreu quando, ao se esconder para acampar sozinho, foi atacado por leões no Parque Etosha, na Namíbia.

Quando o fogo começou a morrer, fomos para nossa barraca. Ela estava a uns 70 metros, mas andar na escuridão transformou o pequeno trajeto em infindáveis quilômetros. Caminhávamos tensos, Silvia e eu, empunhando a lanterna em todas as direções e pedindo proteção aos deuses da floresta. Na barraca nos sentimos seguros e decidimos fechar só a tela de proteção contra insetos. Viver integralmente a primeira noite na África, escutar os sons da selva, era tudo o que queríamos. Mas a noite nos reservava uma surpresa.

 

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Fomos acordados por um rugido capaz de despertar um morto. Numa fração de segundo, nos pusemos de pé e tentamos fechar o mais rápido possível tudo que podia ser fechado na barraca. Era o rugido de um leão, sem dúvida. E parecia estar bem aí ao lado. Claro, um único dia na savana não nos tornava especialistas em leões, capazes de adivinhar a que distância eles poderiam estar. Um quilômetro? Dez metros? Um metro?

Assustados, tentando manter a calma apesar do batuque dos nossos corações, começamos a prestar atenção aos ruídos que vinham de fora. Agora, era o de passos compassados bem ao lado da barraca. Logo, eles se transformaram no som de patas batendo nas paredes do banheiro. Seguiu-se o ruído torturante de garras raspando a lona da barraca. O susto foi indescritível ao vermos um rabo peludo passeando dentro da barraca, passando bem rente aos pés da cama.

Não houve sequer a possibilidade de trocarmos palavras – sobraram apenas olhares apavorados. Sem saber o que fazer, vencemos a paralisia e, do alto de nossa cama, com o que restava da nossa coragem e munidos das únicas armas de que dispúnhamos – um canivete suíço e uma lanterna –, procuramos descobrir que bicho era aquele.

 

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Abaixo, o guia Robert Fink e turistas observam uma manada de búfalos. Mais abaixo, leões se alimentam de um búfalo recém-abatido. À direita, um leopardo, outro dos animais carnívoros que povoam as savanas sul-africanas.

HÓSPEDE INESPERADO

Tratava-se de um felino, sem dúvida. Mas não um leão. Bem maior que um gato, mas menor que um leopardo. Sob a luz da lanterna, ele olhou para nós, rangeu os dentes e, para nosso terror, acomodouse na outra cama. Nunca tínhamos visto aquele bicho, tampouco imaginávamos sua ferocidade. Passamos a noite toda nos revezando para vigiar o “monstro” invasor. Ao amanhecer, muito tempo antes de sermos acordados pelo pessoal do safári, saímos os três juntos da barraca: ele tomou logo o rumo da direita; nós, o da esquerda.

“Levantaram cedo!”, disse o guia. Depois de contarmos o episódio e descrevermos nosso “hóspede”. Fink desvendou o mistério: “Foi um civete, um tipo de gato selvagem africano. Ele se assustou com o rugido do leão e procurou abrigo na barraca de vocês”, explicou. “E se fosse um leão, o que faríamos?”, perguntamos. “Enjoy yourself”, divirtam-se, augurou Fink, bem-humorado.

O que não faltaram foram divertimentos, surpresas e alguns sobressaltos nesses dias que passamos no parque… O nosso foi um safári fotográfico, mas a África do Sul oferece muitas outras alternativas para a prática do ecoturismo: safáris de caminhadas, biking, canoagem e montanhismo. Sua rede de parques nacionais é um dos principais fatores do grande incremento do turismo no país. As estatísticas mostram que o número de visitantes dobrou nos últimos anos.

 

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Situado a 500 quilômetros de Johannesburgo, o Parque Nacional Kruger (nome do presidente sulafricano que o criou) é o mais famoso do país. Ele também apresenta cenários um tanto surrealistas como, em alguns lugares, estradas asfaltadas, filas de carros e ônibus parados para ver um animal selvagem. Em certos pontos veem-se ainda cercas eletrificadas e demarcadas com calotas de carros. À noite, aqui e ali, piscam as luzes das vilas próximas. Muito visitado, esse parque tem normas de segurança mais rígidas. Os outros parques da África do Sul, porém, conservam o fascínio irresistível da aventura e da contínua descoberta.

Graças aos parques nacionais, nas últimas décadas surgiu uma nova forma de experimentar, com conforto e segurança, essa África indomável e sem paredes, selvagem e inexplorada: os acampamentos, tented camps, montados na savana, em geral perto de áreas ricas em fauna selvagem. A África dos que optam pelos acampamentos não é a mesma África domesticada dos grandes centros urbanos ou dos resorts de luxo.

 

 

 

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Abaixo, exemplo da infraestrutura de acampamento disponível para os turistas. A riqueza da fauna sul-africana é um atrativo imperdível: no mesmo passeio podem ser vistos, em plena natureza, zebras, cervos, rinocerontes, girafas e elefantes.

Um acampamento consiste de, no máximo, seis a oito barracas (walk-in tented) permanentemente armadas sobre uma base de cimento, com banheiro privativo no interior de uma paliçada que tem como teto o céu aberto. Chuva e sol, pássaros e babuínos fazem parte da cambiante decoração do ambiente. Nenhuma barraca invade a privacidade da outra. Elas são amplas, com duas camas, armário e varanda com uma vista privilegiada. As refeições são servidas em quiosques atraentes, onde os hóspedes ainda desfrutam de uma pequena biblioteca com obras sobre a fauna e flora locais.

Nesses acampamentos, a savana, com suas texturas em tons ocres, onde nenhuma árvore sombreia outra, abraça e envolve o viajante. Um aroma de vegetação seca incensa o ar, tornando-o um tanto áspero e causticante. O hábitat dá impressão de arca de Noé. Podem ser vistos todos os grandes animais carnívoros, grupos de elefantes, leões, rinocerontes, búfalos e leopardos – os big five, os cinco grandes, não por seu tamanho, mas pelo risco que representam para o visitante.

Ali também estão hipopótamos, girafas, javalis, cães selvagens, crocodilos, cervos com galhadas, antílopes e cerca de 350 espécies de aves, como a águia-pescadora, o tecelão e os hornbills (calaus). Estes últimos, que chegam a 80 centímetros de altura, se caracterizam pela extensa envergadura de suas asas. Alguns têm uma grande saliência óssea na cabeça e são percebidos ao longe por seu cacarejar surdo e rouco, cujo volume aumenta gradualmente a partir do início do canto.

Os quiosques, por sua vez, são ponto de encontro para as saídas dos safáris e os jogos, nos quais o turista tenta achar o esconderijo dos animais. A cada dia, o primeiro safári começa ao amanhecer, pois é preciso acordar antes dos bichos, com retorno para o brunch; o outro sai no final do dia e reserva outra agradável surpresa: um brinde em algum lugar especial, emoldurado por um pôr do sol que parece saído de uma tela de Van Gogh.

 

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Deve-se ainda lembrar que o espetáculo da fauna e da flora sul-africanas não se limita à savana. Elas estão presentes também no litoral. Nas imediações da Cidade do Cabo, é fácil ver bandos de pinguins e baleias-francas (Eubalaena australis) com seus filhotes. Se você for realmente ousado, pode experimentar uma aventura que requer coragem: mergulhar ao lado de ferozes tubarõesbrancos. Isso é perfeitamente possível, e com toda a segurança – desde que você esteja em uma gaiola submersa nas águas do Oceano Índico.

BIODIVERSIDADE EXUBERANTE

A riqueza da África do Sul em matéria de biodiversidade é imensa, a terceira maior do mundo. Não à toa, o país tem oito sítios classificados pela Unesco como patrimônios da humanidade. Só o Parque Nacional de Table Mountain tem mais espécies de plantas que as Ilhas Britânicas. Na região do Drakensberg (leste do país) estão a cordilheira de montanhas mais alta da África ao sul do Kilimanjaro e a maior concentração de arte rupestre de todo o continente.

Infelizmente, as atuais mudanças climáticas já afetam também certas áreas do território sulafricano. A Região Floral do Cabo, patrimônio mundial pela Unesco, é uma delas. Essa área, localizada na província do Cabo Ocidental, compreende oito zonas protegidas que, no total, somam 5.530 quilômetros quadrados. Seu “reino floral”, um dos únicos seis do mundo assim classificados por sua peculiar vegetação, figura entre as zonas de maior biodiversidade da Terra. Abriga mais de 7.700 espécies de plantas, 70% exclusivas dali.

Neste mês de junho, a África do Sul será palco do Mundial de Futebol e deverá receber dezenas de milhares de turistas. Será uma pena se, satisfeita a paixão pelo esporte, esses visitantes não aproveitarem para viver a inesquecível aventura de passar alguns dias e noites na selva.

Serviço

Livro útil:

The Worst-Case Scenario Survival Handbook, de J. Piven e D. Borgenicht

Quem leva:

Wilderness Safaris www.wildernesssafaris. com