Associação apontou retrocessos em vários países, refletindo os efeitos da crise habitacional que atinge o continente. Bloco mantém como meta erradicar a situação de rua até 2030.A Federação Europeia das Associações Nacionais sobre a Situação de Rua (Feantsa) identificou um aumento “alarmante” no número de pessoas em situação de rua em países da União Europeia (UE).

Segundo um relatório publicado pela organização nesta quinta-feira (09/10), dados nacionais dos estados-membro indicam que a situação piorou em toda a Europa, afastando o bloco de sua meta de acabar com a situação de rua até 2030.

A Feantsa reuniu diferentes pesquisas domésticas realizadas no continente para estabelecer um panorama do problema. A organização indica que os dados são de difícil comparação, uma vez que levantamentos nacionais possuem metodologias diferentes para definir o que é “situação de rua”.

A análise comum mais recente foi feita em 2021, na ocasião do censo populacional e habitacional realizado nos estados-membros. À época, um total de 1,1 milhão de pessoas foram tomadas como “sem teto ou em formas não convencionais de moradia” na União Europeia.

A partir de novas pesquisas nacionais, a Feantsa estima que a situação se agravou, uma vez que os resultados apontam para um crescimento da população sem moradia.

“Essas estatísticas traçam um quadro profundamente alarmante, mostrando que a situação de rua está em ascensão na maioria dos países e até se agravando rapidamente em alguns estados-membros”, diz o relatório.

O cenário se deteriorou, por exemplo, em países como Finlândia, cuja população desabrigada aumentou nos últimos dois anos, marcando a primeira alta na última década.

Já a Irlanda registrou um salto de 292% entre 2014 e 2023 na quantidade de adultos em situação de rua ou acomodados em abrigos, totalizando 9.347 em dezembro de 2023. Na Dinamarca, esse contingente cresceu 20% desde 2009.

Alemanha tem meio milhão sem moradia permanente

Em números absolutos, a Alemanha calcula que 531,6 mil pessoas estão sem moradia permanente no país, embora esse número inclua uma rol maior de grupos, como pessoas hospedadas com amigos e familiares. A quantidade mais que dobrou em dois anos.

Proporcionalmente à população, a República Tcheca tem o maior número de pessoas em situação de rua, com mais de 230 mil pessoas vivendo em moradias alternativas ou sem teto, de uma população de 10 milhões.

O relatório destaca que também há um aumento significativo dos desabrigados acima dos 60 anos.

Crise de moradia generalizada

O agravamento ocorre dentro de um quadro mais amplo de crise de moradia no continente. Considerando outras formas de precariedade habitacional, 18 milhões de pessoas vivem sob privação habitacional severa e 64 milhões de domicílios estão sobrecarregados com os custos de moradia em todo o continente, diz a Feantsa.

De acordo com cálculos da Housing Foundation e da Feantsa, o problema acompanha o aumento do custo médio de aluguel em muitas cidades europeias, onde os custos de moradia podem chegar a 33% da renda.

Isso ocorre em cidades como Berlim, Madri, Roma, Paris, Amsterdã e Dublin.

A estimativa é que 4,9% dos europeus já passaram por situação de rua em algum momento da vida, número que sobe para 8,5% entre aqueles em risco de pobreza ou exclusão social.

O que os dados significam?

A vice-diretora da Feantsa, Ruth Owen, disse que os pesquisadores buscaram destacar quem é afetado pela crise habitacional e de que forma. “O cenário é bastante complicado porque a qualidade e o alcance dos dados variam enormemente, mas o relatório nos dá esse panorama de que a situação de rua é um problema substancial e crescente na União Europeia”, disse Owen à DW.

Segundo Owen, números mais baixos geralmente se devem à subnotificação, e não ao sucesso dos países em lidar com o problema. Algumas nações, como Bulgária ou Croácia, sequer têm dados atualizados ou suficientes.

“Embora essa crise habitacional provavelmente afete a todos, ela não nos afeta de forma igual. E se quisermos respostas políticas adequadas, precisamos realmente entender as necessidades e oferecer apoio a quem mais precisa”, acrescentou Owen.

O relatório também destaca que os planos para enfrentar a crise habitacional na Europa frequentemente financiam moradias para a classe média, o que significa menos apoio para famílias de baixa renda.

Para especialistas, o resultado é um descolamento da meta europeia de acabar com a população em situação de rua até 2030.

“O problema está se tornando mais urgente do que nunca, especialmente em Berlim. Está piorando, estou vivenciando isso pessoalmente. E não apenas em termos quantitativos, mas também qualitativos. Estamos em um estado de saúde pior”, disse Richard Rosenberger, assistente social da Caritas, a maior organização de assistência social da Alemanha.

“Nesse contexto, construir mais ‘habitação acessível’ sem questionar os mecanismos, os níveis de aluguel ou os atores envolvidos não é suficiente – e pode até agravar a crise habitacional existente”, diz o relatório.