Representantes do partido AfD fazem reuniões em Washington para fortalecer laços com o governo Trump, mas alinhamento não é automático dentro da sigla.Uma viagem aos EUA realizada em setembro por Beatrix von Storch, parlamentar da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), ganhou holofotes no país por aproximar a sigla alemã a membros do gabinete de Donald Trump.

No início de outubro, outra delegação da AfD viajou para Washington: Markus Frohnmaier, especialista para política externa do grupo parlamentar da sigla, e Jan Wenzel Schmidt, especialista em política externa do partido.

Se antes a conexão entre a AfD e o movimento trumpista parecia mais orgânica que organizada, a presença das delegações alemãs indicou uma tentativa de mudar este cenário. Storch, por exemplo, é vice-presidente da sigla no Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão, casa que viu um crescimento recorde da ultradireita nas últimas eleições.

Em Washington, ela confirmou que se reuniu com funcionários do governo Trump em um anexo da Casa Branca. Seus homólogos americanos incluíam funcionários do gabinete do vice-presidente dos EUA, JD Vance, além de representantes do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.

Já Frohnmaier e Schmidt se encontraram diretamente com Darren Beattie, assessor de alto escalão de Trump, durante a viagem no início de outubro.

Alinhamento contra “imigração e cultura woke”

Von Storch descreveu suas conversas no X como “muito abertas, construtivas e orientadas para objetivos”. Em entrevista à estação de rádio suíça Kontrafunk, disse que os americanos se mostram interessados “nas restrições à liberdade de expressão e na censura na Alemanha”.

Para a AfD, essa tem sido uma questão recorrente. No entanto, o que o partido chama de “restrições à liberdade de expressão” tem refletido, muitas vezes, decisões judiciais contra seus quadros, por violarem leis alemãs, penalidades que rotineiramente rejeitam como motivadas politicamente.

Em 2024, por exemplo, Björn Höcke, o influente líder estadual da AfD no estado da Turíngia, foi multado duas vezes por usar slogans ligados a um grupo paramilitar da era nazista durante discursos de campanha. Mais recentemente, a agência de inteligência interna da Alemanha classificou o partido como “extremista de direita”, mas suspendeu a aplicação do selo até análise judicial.

A reunião na Casa Branca, porém, se concentrou na política interna alemã, com a AfD aproveitando o momento para promover sua agenda. “Eles sabem que a AfD é o partido que se alinha amplamente com as políticas do governo Trump”, disse von Storch à Kontrafunk. Ela citou temas em comum, incluindo a agenda contra o que chamou de “islamização”, imigração e “cultura woke”.

No Brasil, a deputada ficou conhecida por, em 2021, ter se encontrado com o então presidente Jair Bolsonaro – uma reunião quegerou severas críticas de entidades judaicas devido a declarações da parlamentar que, para a Confederação Israelita do Brasil (Conib), “minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto”.

Apoio direto da Casa Branca

A AfD vê sua pauta se aproximar cada vez mais da agenda trumpista e recebe especial apoio de membros do movimento Maga (Make America Great Again) – uma base de apoio mais aguerrida de Trump, que levanta slogans anti-imigração.

Durante a última campanha eleitoral federal, o partido recebeu endosso direto do gabinete de Trump. Em um discurso na Conferência de Segurança de Munique, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, questionou os valores democráticos europeus e pediu de maneira velada uma cooperação mais estreita entre os partidos alemães e a AfD.

O interesse americano na política interna alemã levantou temores imediatos no país europeu. O discurso de Vance, por exemplo, foi amplamente debatido e visto pelo então chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, como uma tentativa de interferência em assuntos nacionais.

Pouco antes das eleições federais alemãs de fevereiro, Elon Musk, então ainda um aliado próximo de Trump, participou, por videoconferência, de um comício do partido, em meio a aplausos entusiasmados dos apoiadores.

Alcance limitado?

O cientista político e especialista em extremismo de direita Armin Pfahl-Traughber é cauteloso quanto ao impacto que tais encontros podem ter nas relações entre os EUA e a Alemanha. Ele não espera que a AfD ganhe maior influência política. “No momento, não acredito que o governo americano necessariamente amplificará isso”, disse ele.

Pfahl-Traughber cita, por exemplo a baixa influência da AfD no parlamento alemão. Apesar de ter a segunda maior bancada no Bundestag, a sigla atua sem qualquer colaboração com os demais partidos, que estabelecem um “cordão sanitário” contra partidos políticos ultradireitistas.

Ainda assim, Pfahl-Traughber reconhece o peso político interno dessas conexões. “Essa aproximação com o governo Trump equivale a uma elevação de fato do partido”.

EUA ou Rússia?

Dentro da AfD, os laços com os EUA têm sido objeto de acalorados debates, mas Pfahl-Traughber enfatiza que a aproximação com os americanos não é uma aproximação com o país como um todo, e sim com Trump. “Os Estados Unidos de Trump claramente compartilham semelhanças ideológicas com as posições da AfD”, defende.

Para o pesquisador, o que une ambos é uma visão de sociedade em que a liberdade de expressão é defendida apenas quando apoia suas próprias opiniões. “Agora que há restrições à liberdade de imprensa nos EUA, não ouvi a líder da AfD, Alice Weidel, pedir ‘liberdade de expressão'”, disse Pfahl-Traughber à DW. “Mas esse é um padrão duplo, comum nesse espectro político.”

Por outro lado, muitos ideólogos dentro do partido demonstram maior interesse em se aproximar da agenda russa de Vladimir Putin. Por exemplo, sua repressão ao movimento LGBTQ+ russo é vista de forma positiva dentro da AfD.