08/12/2025 - 11:42
País vive onda de assassinatos de ex-soldados e apoiadores do antigo regime. Críticos apontam que novo governo não parece estar fazendo muito para combater a violência contra aqueles associados à ditadura de Assad.Um ano após a queda do ditador Bashar al-Assad, a Síria vem sendo palco de crescentes relatos de violência praticada por justiceiros, que miram ex-membros do antigo regime.
Por exemplo, em outubro, dois homens foram mortos a tiros por agressores vestidos de preto em uma motocicleta na vila de Anaz, de maioria cristã, na província de Homs. Alguns analistas descreveram os assassinatos como motivados por ódio sectário e culparam o novo governo sírio. Outros culparam remanescentes do regime de Assad, que desejam inflamar as tensões na comunidade.
Mas investigações posteriores revelaram que um dos homens mortos era conhecido por ter ligações com uma milícia ligada a Assad, responsável pela morte de até 700 pessoas durante os 14 anos de guerra civil no país.
Como relatou o jornal sírio Enad Baladi, muitos dos jovens de Anaz estavam do lado do regime de Assad na guerra, enquanto outro vilarejo próximo, Qalaat, estava do lado dos revolucionários antigoverno da Síria. É muito provável que o duplo homicídio tenha sido um assassinato premeditado, realizado por vingança.
Violência de grupos de justiceiros em alta
É improvável que alguém descubra tão cedo exatamente o que aconteceu. Mas uma coisa é certa: este não é o único incidente desse tipo na Síria recentemente, nem será o último.
A violência por vingança contra apoiadores do antigo regime na Síria está aumentando. Nas duas últimas semanas de agosto, um observador estimou que 36% das mais de 70 mortes violentas registradas foram causadas por assassinatos direcionados ou violência de justiceiros. Esse número chegou recentemente a 60%.
Os assassinatos cometidos por justiceiros não são como os recentes surtos de violência sectária em
massa na Síria, onde centenas de pessoas morreram de uma só vez. Geralmente, são ataques direcionados a um indivíduo.
“Quando se trata de verdadeira violência por vingança – o que eu chamaria de violência direcionada a colaboradores do regime, soldados do regime ou qualquer pessoa que tenha feito parte do regime – essa tendência está aumentando”, afirma Gregory Waters, pesquisador sênior do Atlantic Council, que viajou extensivamente pela Síria e monitora os acontecimentos em seu site, Syria Revisited. “Varia de semana para semana”, disse Waters. “Mas definitivamente está piorando, e a falta de justiça de transição está aumentando a pressão”, acrescenta.
Desde a queda do regime de Assad em dezembro de 2024, o novo governo interino prometeu levar à Justiça os piores daqueles que trabalharam com o antigo regime, incluindo pessoas que cometeram crimes de guerra e violações dos direitos humanos. O presidente interino da Síria, Ahmad al-Sharaa, reuniu-se com líderes comunitários, pedindo paciência à população, diz Waters.
“Mas também ouvi pessoas falando sobre essas reuniões, dizendo: ‘Tivemos um milhão de mártires, um milhão de casas destruídas, milhões de deslocados. Por que vocês estão nos pedindo para sermos pacientes? Quanto tempo devemos esperar?'”, relata Waters.
O governo sírio também ofereceu anistia a muitos que serviram no Exército sírio, afirmando que apenas aqueles com “sangue sírio nas mãos” enfrentariam retaliação criminal.
Até o momento, os esforços para prender suspeitos de crimes do antigo regime “têm sido inconsistentes, opacos e mal comunicados”, escreveu Waters em um relatório de junho para o Instituto de Washington para Política do Oriente Próximo (Winep, na sigla em inglês).
Aqueles com cargos de alto escalão ou ligados a massacres de grande repercussão são mantidos na prisão, e suas prisões são amplamente divulgadas, mas nem todos os suspeitos recebem o mesmo tratamento.
“Muitos ex-informantes e funcionários de baixo escalão continuam circulando livremente pelas ruas”, explica Waters. “Moradores locais denunciam esses criminosos regularmente às forças de segurança, mas muitas vezes eles são libertados depois de apenas alguns dias.”
Nas redes sociais, incitação à violência
Alguns sírios querem expor aqueles que consideram merecedores de justiça. Waters cita uma página de mídia social em árabe muito popular por publicar fotos de pessoas ligadas ao regime.
“Eles postam fotos dizendo: ‘Este cara era um soldado do regime, agora está livre e é desta aldeia, então provavelmente ainda está lá'”, explica Waters. “Isso pode ser interpretado por algumas pessoas como um incitamento à violência.”
Uma enxurrada de desinformação e informações errôneas agrava ainda mais a situação, dizem especialistas.
A maioria das vítimas da violência de grupos paramilitares pertence à maioria sunita da Síria. “Colaboradores sunitas [do antigo regime] são desprezados por suas próprias comunidades, então é mais fácil atacá-los”, explica Waters. Mas se um membro de uma minoria é atacado, sempre há acusações de sectarismo, dizem observadores – mesmo que a vítima seja posteriormente considerada culpada de crimes de guerra.
O que pode ser feito?
Atualmente, o governo interino da Síria parece não estar fazendo muito para combater a violência que tem como alvo pessoas associadas ao regime de Assad. Não está claro se isso ocorre por falta de vontade ou por incapacidade devido à insuficiência de recursos.
Waters cita o exemplo de um grupo de justiceiros de longa data em Aleppo que assassinou oficiais do regime de Assad durante a guerra civil e continua a fazê-lo.
“É uma luta enorme para o governo perseguir esse grupo; trata-se essencialmente de uma célula insurgente”, explica Waters. “No momento, eles [o grupo de Aleppo] estão atacando ex-membros do regime em vez das forças governamentais. Mas se você prendesse dois ou três deles, talvez eles começassem a atacar você.”
Em vez disso, a estratégia do governo parece ser prender os ex-soldados do regime de Assad antes que os justiceiros cheguem até eles, afirma Waters.
Aaron Zelin, pesquisador do Winep, acredita que mais informações públicas sobre a comissão governamental de justiça de transição, anunciada em março de 2025, poderiam melhorar a situação. “Ouvi dizer que estão fazendo um ótimo trabalho nos bastidores, mas temem que falar mais publicamente sobre isso possa prejudicá-lo”, disse ele. “Mas acho que o silêncio pode minar a confiança e a transparência, já que ninguém tem ideia do cronograma ou de como tudo vai se desenrolar.”
O aumento da violência contra ex-colaboradores do antigo regime, na verdade, evidencia falhas graves no atual processo político, segundo Mohammad al-Abdallah, diretor do Centro Sírio de Justiça e Responsabilização, com sede em Washington.
“As autoridades não detiveram os cúmplices das violações e eles estão soltos pelas ruas. As pessoas os veem e pensam: ‘Vocês prenderam meu pai, executaram meu irmão, mataram meu filho.'” Eles acabam “fazendo justiça com as próprias mãos” porque não têm mais informações sobre o plano do Estado para responsabilizar esses indivíduos”, disse al-Abdallah.