Os líderes mundiais reunidos nesta semana na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP26) poderiam estabelecer políticas públicas que impediriam mudanças perigosas no clima e evitariam o colapso de ecossistemas. Mas, até agora, eles não o fizeram com a amplitude necessária.

A diferença entre o que os países estão fazendo para desacelerar o aquecimento global e o que eles precisariam fazer para atingir esse objetivo chegará a 28 gigatoneladas de CO2 por ano até 2030, segundo com um relatório da ONU publicado na terça-feira passada. Essa disparidade é suficiente para que o planeta esteja, no final deste século, 2,7 graus Celsius mais quente do que as temperaturas pré-industriais.

Isso quebraria a promessa feita em 2015 por líderes mundiais na conferência climática de Paris de limitar esse aquecimento a 1,5 grau Celsius, o que seria necessário para evitar eventos climáticos extremos sem precedentes como ondas de calor e ciclones. Em vez disso, eles estão queimando tanto carvão, petróleo e gás que o mundo provavelmente ultrapassará esse limite já na próxima década.

Para ter alguma chance de cumprir essa meta, temos “oito anos para fazer os planos, colocar as políticas em prática, implementá-las e, finalmente, entregar os cortes [nas emissões]”, escreveu Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, autora do relatório.

Como podemos atingir a meta climática de 1,5 ºC?

O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) demonstrou que em 2030 as emissões anuais precisariam ser 45% menores do que as registradas em 2010. E, até 2050, elas teriam que atingir o “zero líquido”, quando a atividade humana adiciona tanto CO2 à atmosfera quanto plantas e aparelhos o estão sugando.

Isso poderia ser feito junto com crescimento econômico e fornecimento estável e acessível de energia a todos, de acordo com um roteiro com 400 metas publicado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em maio. Entretanto, alcançar o zero líquido em emissões até 2050 “exigirá nada menos do que a completa transformação do sistema energético global”, segundo os autores.

Eis o roteiro:

Eletricidade

A base da transição é substituir os combustíveis fósseis pela energia renovável. A partir de hoje, isso significaria não aprovar a criação de novos campos de petróleo, campos de gás ou minas de carvão, de acordo com o relatório. Todas as usinas movidas a carvão ou derivados do petróleo cujas emissões não são capturadas diretamente seriam desligadas até 2040.

No lugar, a energia solar e eólica se tornariam as principais fontes de eletricidade até 2030, e juntas gerariam quase 70% da eletricidade até 2050. A geração em usinas nucleares dobraria até 2050 para responder por quase 10% da geração total de eletricidade.

Tal transformação significaria que os países ricos produziriam toda sua eletricidade a partir de fontes de baixo carbono até 2035, e as demais nações chegariam lá cinco anos depois.

Na Índia, o quarto maior mercado de eletricidade do mundo, isso levaria ao fim do poluente setor de carvão. Em toda a África subsaariana, onde a maioria das pessoas não tem acesso à eletricidade, isso significaria não investir em fontes de energia com base em combustíveis fósseis.

Mas construir a infraestrutura de energia renovável ajuda as comunidades rurais sem acesso às redes elétricas a se adaptar, disse Amos Wemanya, analista de energia do grupo de pesquisa Power Shift Africa, sediado no Quênia. As metas de desenvolvimento de reduzir as emissões e aumentar a resiliência a condições climáticas cada vez mais extremas “andam de mãos dadas”, disse.

Transporte

Mesmo que alguns países tenham conseguido reduzir suas emissões totais, principalmente queimando menos carvão, a poluição emitida pelo setor de transporte continua aumentando.

Reverter essa tendência exigiria parar de vender carros novos com motores a combustão interna até 2035, de acordo com a AIE. Caminhões pesados utilizariam biocombustíveis no curto prazo, e após 2030 seriam movidos a eletricidade ou hidrogênio. Em meados do século, a maioria dos veículos seria movida a eletricidade ou a células de combustível.

Embora ainda não existam alternativas ambientalmente corretas para voar longas distâncias, investimentos em ferrovias e maiores tributos sobre vôos comerciais poderiam reduzir a demanda pela aviação. Em 2050, os aviões usariam biocombustíveis de baixo carbono e combustíveis sintéticos para voar longas distâncias sem poluir a atmosfera.

Os navios, um dos únicos meios de transporte que o relatório não espera descarbonizar até meados do século, poderiam queimar menos combustível se fossem construídos e operados de forma mais eficiente. E o uso de amônia como combustível seria uma alternativa para as viagens transoceânicas.

Edifícios

A demanda por espaço habitável deverá crescer 75% até 2050 e, conforme o planeta se aquece, o uso de ar-condicionado, que consome muita energia, também aumentará. Mas as emissões provocadas pelo uso de edifícios podem diminuir 95% no mesmo período.

Isto seria impulsionado pela eletrificação e ganhos de eficiência que utilizam tecnologias já existentes no mercado: bombas de calor, aparelhos mais eficientes e edifícios projetados e construídos com materiais que regulam melhor a temperatura interna.

Atualmente, 1,5 milhões de bombas de calor são instaladas todo mês. Segundo o roteiro da AIE, seria necessário aumentar esse ritmo para 5 milhões até 2030, e 10 milhões até 2050.

Até lá, bombas de calor supririam mais da metade da demanda global por aquecimento, e o aquecimento por combustíveis fósseis teria que ser gradualmente eliminado. A partir de 2025, nenhum sistema de aquecimento de água a combustível fóssil seria mais vendido.

Indústria

Centenas de plantas industriais usariam hidrogênio para fabricar produtos como o aço, ou usariam tecnologia para capturar o carbono emitido por qualquer combustível fóssil que ainda usem. Essas mudanças levariam ao corte de metade das emissões na indústria pesada até 2050.

Os altos-fornos e fornos de cimento têm vida útil média entre 30 e 40 anos. Isso significa que os investimentos atuais já precisam ser ambientalmente responsáveis para evitar a necessidade de demolir essa infraestrutura antes do fim de sua vida útil.

Diferentes formas para reduzir as emissões

Embora o relatório da AIE forneça um “roteiro detalhado e útil… ele não é a única maneira de fazer isso”, disse Joeri Rogelj, um pesquisador do Centre for Environmental Policy do Imperial College London, no Reino Unido.

Qualquer plano para descarbonizar a economia requer mudanças fundamentais como o rápido aumento no uso de energia renovável, a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, o fim do desmatamento e a redução das emissões provocadas pela produção de alimentos. Mas os cientistas têm opiniões diferentes sobre energia nuclear, mudanças comportamentais e tecnologias para sugar o carbono da atmosfera.

Quanto mais cedo as emissões começarem a cair, mais fácil será manter as temperaturas sob controle. Atingir a meta de 1,5 ºC não é fácil, disse Amos Wemanya, mas ainda é possível. “Isso requer decisões concretas e ousadas”.