08/06/2020 - 12:59
Foi com entusiasmo que se anunciou em setembro de 2015 a descoberta de água salgada em Marte. A simples presença desse elemento permite considerar possível a existência de vida no planeta vermelho e faz crescer a esperança de um dia a raça humana habitar outros mundos. Mas o mesmo entusiasmo não se viu em relação a outras descobertas feitas, no mesmo mês, sobre as águas salgadas do planeta onde habitamos.
Planeta que bem poderia ser chamado Água, por ter dois terços da sua superfície coberta por essa substância em estado líquido, que dita a sorte da vida. Nos últimos 40 anos, a ação da chamada vida inteligente na Terra reduziu em 50% a biodiversidade marinha, segundo o estudo Living Blue Planet Report (“Relatório Planeta Azul Vivo”, em tradução livre), divulgado pela ONG internacional WWF.
Os dados espantam. A fauna marinha encolheu 50% entre 1970 e 2012. Já a flora de recifes de coral, manguezais e algas marinhas, que garantem alimento a mais de um terço dos peixes monitorados, diminuiu 34% de 1970 a 2010. A análise envolveu um conjunto de dados quase duas vezes maior que estudos anteriores; foram pesquisadas 5.829 populações de 1.234 espécies.
Um mergulho profundo na situação atual dos oceanos lista cinco fatores como causas principais dessa devastação: aumento da temperatura, acidificação, contaminação, lixo e pesca. Dois desses problemas têm a mesma origem, as elevadas emissões de CO2. Quanto maior a concentração desse gás na atmosfera, maior é sua diluição nos mares, que captam na atmosfera mais CO2 do que produzem.
Calcula-se que os oceanos têm absorvido cerca de 30% das emissões de CO2 geradas pelo ser humano. A questão é que a quantidade desse gás na água influi no seu pH: quanto mais CO2, mais ácido o meio fica. Assim como os seres terrestres são afetados pela má qualidade do ar, as altas taxas de CO2 na água e a consequente acidificação fazem os animais marinhos sofrer. A ação do dióxido de carbono, porém, não se limita à sua influência direta na qualidade da água.
O aquecimento da Terra, gerado pelo acúmulo de CO2 e outros gases-estufa na atmosfera, causa ainda o aumento da temperatura e do volume dos oceanos. Os moradores de áreas costeiras são empurrados continente adentro pelos riscos da elevação do nível do mar, que subiu 8 cm desde 1992. Enquanto isso, outra migração acontece nas águas: as espécies marinhas mudam em busca de lugares que reproduzam as condições de vida que costumavam ter.
Migração forçada
Foi assim com as lagostas do sul da Nova Inglaterra, na costa nordeste dos Estados Unidos: estressadas pela alta temperatura da água, elas abandonaram a área, deixando muitos pescadores fora do mercado, e começaram a procriar no litoral do Maine, mais ao norte. Como essa, várias outras espécies estão se afastando da linha do equador rumo aos polos, a uma velocidade média de 7 km/ano – ritmo dez vezes maior do que o apresentado pelas espécies terrestres. Sem poderem se movimentar, os corais já não contam com essa opção e podem ser extintos até 2050, segundo o World Resources Institute.
Muitas espécies de peixe importantíssimas para a segurança alimentar da humanidade, que teriam mais chances de readaptação e sobrevivência, como as lagostas, estão sob risco de colapso por ter de enfrentar também práticas predatórias como a sobrepesca. “Hoje, 90% dos estoques pesqueiros já estão sendo explorados além dos seus limites de reposição. Estamos acelerando um processo de extinção em massa. E o que são 25 ou 50 anos para os tempos da Terra? É amanhã”, reforça Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho e Mata Atlântica da WWF.
Para completar o quadro, somam-se o acúmulo de lixo como o plástico, a poluição local e a contaminação por agrotóxicos utilizados na agricultura, que escoam para os mares. Assim, esse caldo vai esquentando, matando espécies aquáticas e terrestres, inclusive os humanos. Mesmo depois de descamado, lavado e cozinhado, o pescado chega à mesa carregado de poluentes dissolvidos na água, os quais não afetam a saúde do peixe, mas podem ser fatais para o nosso organismo (leia reportagem AQUI).
“O lixo que a gente joga volta pra gente mesmo. Não existia essa consciência antes, e ainda hoje ela é pouco disseminada”, resume Tatiana Neves, coordenadora geral do Projeto Albatroz. Os albatrozes e petréis, pássaros que são foco desse instituto, formam o grupo mais ameaçado do planeta – das 22 espécies de albatrozes existentes, 17 delas estão ameaçadas de extinção em algum grau, de acordo com a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Se as aves marinhas são fortes indicadores da saúde desse ecossistema, é possível deduzir a situação já é limite.
Mas o caldo não precisa entornar. Outro estudo, divulgado pela WWF este ano, provou que cada dólar investido na criação de áreas marinhas protegidas pode render o triplo na forma de benefícios, entre 2015 e 2050, de empregos, proteção de litorais e produção pesqueira. O desafio será conseguir priorizar a sustentabilidade, a conservação e a recuperação dos recursos marinhos, aliados ao consumo mais inteligente e responsável.