01/08/2010 - 0:00
Em 20 de julho de 1969, milhões de pessoas prenderam sua respiração quando um módulo lunar norte-americano pousou no Mar da Tranquilidade, na Lua, sem causar o menor respingo de lama. Apesar de sua denominação, o local é uma superfície coberta de rochas vulcânicas, cuja lava se cristalizou há 3 bilhões ou 4 bilhões de anos. O nome provém de uma teoria difundida antigamente que tentava explicar o aspecto da Lua a partir do que se via na Terra. Como dizia o pintor e cientista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) em seu Codex Leicester [cerca de 1508-1510], “a parte luminosa da Lua é formada por água agitada pelos ventos”.
Atualmente, mais de 400 anos após as primeiras observações do universo com uma luneta astronômica, feitas pelo astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), é interessante lembrar as descobertas a olho nu do cientista Ibn al-Haitham (965-1040), conhecido por Al-Hazen. Originário de Basra (Iraque), radicado no Cairo há cerca de mil anos e considerado igualmente o pai da óptica moderna, Al-Hazen explicou a natureza das manchas escuras que salpicam a face do nosso satélite natural.
Quem não se questionou sobre a origem das manchas na superfície da Lua? Durante milênios, esse fenômeno, fonte de especulações desde a Antiguidade, alimentou numerosas teorias, todas bem extravagantes. Em sua obra Os Vestígios na Face da Lua, Al-Hazen aprofundou o estudo de pelo menos meia dúzia dessas teorias, demonstrando que nenhuma das hipóteses apresentadas podia ser confirmada pela observação. Ele pôs cada uma à prova servindo-se de dados fundamentais, como o fato de as manchas em pauta oferecerem sempre a mesma aparência em termos de posição, tamanho, forma e obscuridade.
Al-Hazen rejeitou, por exemplo, a teoria segundo a qual as manchas são formadas pela imagem dos oceanos e das montanhas da Terra que se refletem na superfície lisa da Lua. Ao se basear na lei da reflexão, o cientista mostrou que a mudança de posição da Lua em relação a um observador terrestre implica que essas imagens deveriam mudar com o tempo; ora, nesse caso, não é isso o que se passa.
Com argumentos similares, ele também descartou outras duas teorias. A primeira postulava que as manchas escuras são sombras projetadas por elementos do relevo lunar, como montanhas ou crateras. Al-Hazen afirmou que, em decorrência das mudanças de posição da Lua em relação ao Sol, a localização das sombras deveria igualmente mudar com o tempo, o que, no caso concreto, não corresponde ao que se observa.
Com observações a olho nu e muita capacidade dedutiva, o astrônomo Al-Hazen (abaixo) conseguiu explicar as manchas na superfície lunar. Seu nome foi eternizado numa das crateras da superfície do satélite.
A segunda teoria defendia que essas manchas são causadas por vapores perenemente situados entre a Terra e a Lua. Al-Hazen recusou também essa hipótese: ao admitir que ela fosse exata, o observador terrestre discerniria os vapores em vários pontos da Lua, inclusive fora dela, dependendo da posição ocupada por ele.
Os eclipses solares, que, de algum modo, servem de laboratório aos físicos e astrônomos, permitiram que Al-Hazen rejeitasse mais uma teoria excêntrica, segundo a qual as manchas escuras representariam regiões lunares transparentes. Sobre essa hipótese, Al-Hazen fez a seguinte pergunta: como a luz do Sol não atravessa essas regiões durante um eclipse solar?
Ele afirmou que a explicação para a luz da Lua só podia ser obtida com a ajuda do fenômeno de reflexão difusa, ou seja, a reflexão sobre uma superfície irregular, acrescentando a impossibilidade, para a Lua, de refletir a luz de outra forma. Ele concluiu que as manchas escuras ocorrem pelo fato de as superfícies em pauta estarem cobertas com uma matéria que, em razão de propriedades ópticas diferentes do resto da superfície lunar, gera uma menor reflexão da luz.
Independentemente dessas observações a olho nu e de simples deduções lógicas, Al-Hazen inaugurou em sua principal obra (Tratado de Óptica, publicado por volta de 1020) o estudo das propriedades visuais das lentes de aumento. Essa nova compreensão das lentes, baseada na geometria e na experimentação, inspirou a arte dos oculistas holandeses que, ao posicionarem uma lente diante de outra, inventaram a luneta astronômica, permitindo que Galileu revolucionasse a astronomia.
Em dezembro de 1609, o cientista italiano apontou para a Lua sua luneta com capacidade de aumento igual a 20 vezes. Galileu conseguiu assim discernir montanhas, crateras e o que lhe deu a impressão de ser algo parecido com mares. Graças às amostras lunares coletadas pelas missões Apollo [1966-1972] e, em menor medida, pelos robôs russos do programa Luna [1958-1976], sabemos hoje que os “mares lunares” são cobertos por rochas escuras basálticas, o que corrobora as conclusões de Al-Hazen relativas à composição de nosso satélite.
Os nomes dos dois astrônomos foram imortalizados sobre a superfície da Lua: uma cratera foi batizada Galilaei e outra, Al-Hazen, prestando assim homenagem às descobertas do italiano e do árabe. Projetos internacionais serão capazes de inspirar o próximo grande avanço na astronomia? O firmamento inteiro já começou a ser varrido continuamente, em várias bandas de frequência, por telescópios espaciais e terrestres que produzirão teraoctetos de dados em série. Nos próximos 40 anos, para não mencionarmos os futuros 400 anos, poderemos assistir a uma nova e importante revolução importante na astronomia.
é pesquisador sudanês em cálculo quântico e membro da York Astronomical Society (Reino Unido).