01/08/2008 - 0:00
A Torre da Oração pela Grande Paz Mundial é o principal monumento da PL no Japão. No Brasil, as maiores cerimônias ocorrem em Arujá (SP), na foto ao lado.
Aos olhos de um brasileiro, o Japão é como um mundo mágico, repleto de encantamentos. A começar pela escrita e pela linguagem falada, que nos são indecifráveis. A segunda surpresa é a sensação de que nada está fora de seu lugar. Não se vê um pedaço de papel no chão das largas avenidas de Tóquio e os jardins e praças são cuidados como se fossem pequenas obras de arte. Além disso, a cortesia de todos aqueles que se dispõem a servir ao outro – seja nos hotéis, táxis ou restaurantes – não encontra paralelo em lugar algum do mundo. Os taxistas usam luvas e cobrem o assento traseiro de seus veículos com panos brancos que são trocados três vezes ao dia. E qualquer que seja o destino escolhido na capital japonesa – Omotesando, Shiba, Odaiba, Shinagawa ou Ginza, entre muitos outros -, a beleza virá em primeiro plano. Também será possível apreciar a mistura de estilos. Homens e mulheres impecavelmente bem vestidos, indo ao trabalho ou fazendo compras, e jovens que, com seus cabelos coloridos e olhos ampliados por uma cirurgia muito comum por lá, conferem um ar futurista e science-fiction à paisagem. São como personagens saídos dos videogames ou dos mangás, que começam a exercer uma influência cultural sobre o Ocidente comparável à de Hollywood.
MAS NÃO É APENAS este o Japão que nos atrai. PLANETA viajou em busca dos mistérios e da filosofia de uma surpreendente religião de origem japonesa que já tem 300 mil seguidores no Brasil. Trata-se da PL, batizada em 1946, um ano depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com palavras da língua inglesa: Perfect Liberty, a Perfeita Liberdade. Seu principal monumento é a Torre da Oração pela Grande Paz Mundial, dedicada aos mortos em todas as guerras, na cidade de Tondabayashi, nos arredores de Osaka, e cerca de 500 quilômetros a sudoeste de Tóquio. O que terá levado Tokuchika Miki, segundo fundador da PL, que sucedeu seu pai, o primeiro fundador, Tokuharu Miki, a escolher esse nome? Terá sido a mesma percepção que o compositor Gilberto Gil teve ao cantar que “uma bomba sobre o Japão fez nascer o Japão da paz”?
É possível que sim. Na longa jornada que me levou ao outro lado do mundo, com escala em Londres, eu já havia lido alguns livros sobre a história e a filosofia da Perfeita Liberdade. Derivada do xintoísmo, que é a base de quase todas as religiões japonesas, a PL surgiu com outro nome. Era a seita Hito-No-Michi, que pode ser literalmente traduzida como “um caminho para o homem”. Um de seus conceitos fundamentais é o de que todos os acontecimentos – sejam eles bons ou ruins – são obras divinas. Os fatos negativos, chamados de mishirassês, são avisos divinos para que os homens ou os povos modifiquem seu comportamento. Daí a importância do primeiro preceito, “Vida É Arte”. Arte para se adaptar e não sucumbir diante das adversidades e, ainda mais, arte para não se inebriar com as vitórias. Afinal, tudo passa. Tanto a dor como a glória.
NO CAMINHO de Tóquio a Osaka, continuei lendo sobre as raízes e a evolução da PL. Parti às 6 horas de domingo a bordo de um shinkanzen, o trem-bala japonês que “voa” a mais de 250 quilômetros por hora – os passageiros, porém, têm a sensação de estar viajando num tapete, tal a suavidade dos trilhos. Outro fato que impressiona no Japão é a pontualidade. Tudo sai no horário e ninguém tem desculpa para chegar atrasado. Os relógios de pulso de lá se sincronizam com o relógio atômico do país.
Por vezes, eu interrompia a leitura para apreciar a beleza da paisagem. À direita, o Monte Fuji, coberto de neve no fim da primavera, apesar de todos os alarmes sobre o aquecimento global. E, em todo o trajeto, as plantações de arroz. Mas não são fazendas. São quintais. No Japão, cada milímetro de terra arável é cultivado. No local onde se construiria uma piscina no Brasil, eles plantam o grão que é a base da alimentação de 110 milhões de pessoas. Certa vez, alguém opresme disse: “Se os japoneses fizeram a segunda maior economia do mundo numa pequena ilha, imagine o que fariam num continente como o Brasil”.
A lógica parece verdadeira, mas engana. Outro dos ensinamentos da PL é o de que a adversidade é a base da criatividade e do progresso do ser humano. Talvez tenha sido a dificuldade de abrigar tanta gente num território tão estreito que fez com que os interesses coletivos prevalecessem sobre os individuais. A segunda maior potência econômica do planeta, à sua maneira, é também socialista.
Mas essa foi apenas uma digressão, ou uma pequena “viagem”, a bordo do shinkanzen. O destino final era a Terra Sagrada de Tondabayashi, conhecida como Seichi, onde me esperava o mestre Suguihara, que foi meu guia. O primeiro local que o sensei da PL me mostrou foi o Himorogui, uma árvore que é cultuada pelos peelistas.
Foi diante dela que o primeiro fundador, Tokuharu Miki, da seita Hito-No- Michi, concluiu os preceitos que haviam sido legados pelo precursor, mestre Kanada – o primeiro deles, “Vida É Arte”. Kanada dizia que sua doutrina só estaria completa quando surgissem 21 preceitos. E os três restantes foram revelados a seu discípulo Tokuharu Miki diante da árvore do Himorogui – um deles, “Faça ao perceber”, é uma frase que se tornou popular no Brasil em alguns escritórios e até em pequenas empresas, como um mandamento da boa gestão empresarial. Como os ideogramas japoneses, a palavra Himorogui pode ser decomposta em alguns pedaços. Seriam Hi (Deus) + Moro (várias coisas) + Gui (árvore). Resultado? Uma árvore divina que ensina várias coisas.
Nas principais cerimônias da Perfect Liberty realizam-se cultos aos antepassados e também há os dias de agradecimento. Um dos principais conceitos da religião é a palavra japonesa makoto, que representa o estado de união material-espiritual.
Na Terra Sagrada da PL, também aprendi que o segundo fundador da religião e muitos de seus mestres foram poetas, que compunham tankas. Embora nós, brasileiros, conheçamos melhor os haicais, que são micropoesias em três versos, os tankas são ainda mais comuns no Japão. E o segundo fundador da PL, Tokuchika Miki, escreveu vários deles enquanto esteve preso, durante a ditadura militar japonesa. Isso mesmo! O homem que ajudou a cimentar a fé que prega a paz mundial foi perseguido em função do rápido crescimento de sua seita. A PL também rompeu com a tradição xintoísta e abraçou o monoteísmo, cultuando um único deus, o sol. Seu altar, o Omitamá, é uma representação solar, de onde irradiam 21 raios – os 21 preceitos.
Um dos tankas escritos na prisão dizia: “Ao agüentar uma grande opresmesão, a força do homem brota e cresce.” E foi só após a Segunda Guerra, depois de ser inocentado, que ele pôde instalar a sede central de sua igreja em Tondabayashi. Lá, o segundo fundador criou mais um tanka, que foi gravado numa grande pedra: “Ficarei extremamente satisfeito se fizer surgir a capital da arte, desbravando a grande colina de Habikino.”
A colina é o topo de um terreno de dois quilômetros quadrados, onde a PL mantém ainda um grande altar central, os alojamentos para mestres e peelistas e também seu campo de golfe – no Brasil, o Seichi da América do Sul fica em Arujá, nas proximidades de São Paulo, ao lado do PL Golf Clube, que mantém um dos melhores campos para a prática do esporte no País.
O segundo fundador da Perfect Liberty, Tokuchika Miki, escreveu vários tankas. São pequenos poemas japoneses, ainda menores do que os haicais, como este gravado na pedra da Terra Sagrada da PL, em Tondabayashi. Os versos dizem: “Ficarei extremamente satisfeito se fizer surgir a capital da arte, desbravando a grande colina de Habikino.”
Há também em Tondabayashi uma grande clínica. Na PL, as doenças, assim como os maus acontecimentos, são encarados como mishirassês. Podem ser compreendidos através da obtenção dos mioshiês, que são concedidos por Oshieoyá-Samá, o patriarca vivo da religião, e indicam de que maneira o comportamento e as emoções da pessoa doente devem mudar, evitando o agravamento das enfermidades e levando até a cura.
Para os leitores de PLANETA, isso não é novidade. Na edição de dezembro de 2007, a reportagem “A doença como lição” enfocou os avanços da psiconeuroimunologia, que tem uma abordagem bastante parecida. Na religião PL, além dos mioshiês, há também terapias tradicionais, que são conduzidas, naturalmente, na sua clínica hospitalar.
Para desvendar a Perfect Liberty, falta ainda conhecer uma última – e não menos importante – palavra japonesa. Trata-se de makoto, que, numa tradução simples, seria dedicação com sinceridade. Mas seu significado é mais complexo. Makoto é o estado em que o ser humano se desprende de seu ego e executa qualquer tarefa, da mais simples à mais elaborada, em perfeita união materialespiritual, ou seja, uno a Kami, que também significa Deus em japonês. É assim, sem nenhum traço de egoísmo, que nasce a verdadeira expressão artística. Algo que se vê em quase tudo no Japão: nos belos jardins, na altíssima tecnologia, na preocupação com o meio ambiente e na cortesia presente em toda relação humana. Afinal, Vida É Arte!