16/01/2025 - 17:42
Hilda está sendo anunciada como um avanço significativo rumo a uma indústria de laticínios e a pecuária mais verdes. Mas será que tecnologia basta para conter o impacto do setor sobre o clima?O nascimento de uma vaca leiteira na Escócia está sendo celebrado como um avanço nos esforços para reduzir as emissões agrícolas.
Criada para emitir menos gases, Hilda é a primeira bezerra do rebanho de vacas de Langhill, no sul do país, a nascer por meio de fertilização in vitro.
Os arrotos e o esterco do gado produzem metano, um gás de efeito estufa que aquece o planeta e é até 80 vezes mais potente do que o CO2 em um prazo de 20 anos. A pecuária gera cerca de 30% das emissões globais de metano, e dois terços desse volume vêm do gado usado para a produção de carne ou leite.
A chegada da bezerra escocesa foi saudada por veterinários e cientistas como um momento significativo para a redução da pegada de carbono do setor.
Acelerando a redução do metano
Hilda é o resultado da combinação de três tecnologias, explica Mike Coffey, professor da Scotland’s Rural College, uma universidade com foco em sustentabilidade e parceira do projeto.
Elas são: a capacidade de prever a produção de metano de uma vaca com base em seu DNA, a extração de óvulos de animais mais jovens e a sua fertilização com sêmen selecionado.
“Você mistura essas três [tecnologias] e isso permite acelerar a seleção de fêmeas para reduzir a produção de metano, um bezerro de cada vez”, diz Coffey, acrescentando que repetir esse procedimento durante alguns anos levaria a um rebanho com baixa emissão de metano.
Rob Simmons, do Paragon Veterinary Group, outro parceiro do projeto, afirmou à agência PA Media que o “aprimoramento genético na eficiência do metano” seria “fundamental para continuar a fornecer alimentos nutritivos ao público e, ao mesmo tempo, controlar o impacto das emissões de metano no meio ambiente no futuro”.
O rebanho de Langhill é o foco do projeto de genética de gado mais antigo do mundo e seleciona as vacas com base em fatores como saúde, fertilidade, produtividade e consumo de ração.
A seleção tradicional baseada nessas características ajudou até agora a reduzir as emissões de metano em cerca de 1% ao ano, segundo Coffey. Ele assegura que essa nova técnica deve aumentar essas reduções em 50% a cada ano, o que equivaleria a um corte geral de 30% nas emissões nos próximos 20 anos.
Um estudo canadense publicado no ano passado também sugeriu que fazendeiros que selecionassem e criassem vacas para melhorar a emissão de metano poderiam obter reduções de até 30% até 2050.
Viabilidade da tecnologia
No total, há 1,5 bilhão de bovinos no mundo, dos quais cerca de 270 milhões são vacas leiteiras. Em 2022, o setor global de laticínios valia quase 900 bilhões de dólares (aproximadamente R$ 5,4 trilhões).
O processo de produção de uma vaca como Hilda custa atualmente cerca de duas vezes mais do que o valor econômico do animal, afirma Coffey.
“Não seria lucrativo [para os fazendeiros] da forma como está atualmente. Mas o objetivo desse projeto foi demonstrar que ele pode funcionar.”
Ele diz que a próxima etapa é encontrar formas de financiar uma ampliação do projeto. “[Queremos saber] que alavancas o governo tem para permitir que seja economicamente viável para os agricultores fazerem isso, assim como eles [o governo] fizeram com carros elétricos.”
Coffey acha que a mudança para carros elétricos também é uma boa analogia para a velocidade da mudança na redução do metano das vacas. “Haverá um momento em que eles deixarão de produzir carros a gasolina, mas os carros a gasolina existentes ainda continuarão e terão uma vida, e isso é o mesmo que o rebanho de vacas.”
No entanto, Coffey enfatiza que o projeto faz parte de uma onda muito mais ampla de esforços científicos.
Além daqueles que usam a seleção genética, outros projetos estão analisando o impacto de aditivos para ração, como algas marinhas, ou colhendo o metano produzido pelo esterco e transformando-o em biogás que pode abastecer veículos ou aquecer residências.
O rebanho de Langhill também tem sido usado em estudos que exploram como as mudanças na dieta e o uso de fertilizantes afetam as emissões de gases de efeito estufa produzidas pela pecuária leiteira.
“A maioria dos outros países do mundo está fazendo a mesma coisa. É como uma corrida internacional para reduzir as emissões de metano dos ruminantes o mais rápido possível”, diz Coffey.
Criação seletiva é o suficiente?
As emissões de metano estão aumentando mais rapidamente em termos relativos do que qualquer outro gás de efeito estufa, de acordo com um estudo da Universidade Stanford.
Cientistas afirmam que as melhorias tecnológicas no gerenciamento das fazendas não podem reduzir essas emissões na escala necessária para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial.
Eles argumentam que a única maneira de conseguir isso é reduzir significativamente a produção de carne e laticínios e mudar para dietas mais baseadas em vegetais.
Os setores de carne e laticínios contribuem com 12 a 20% das emissões globais de gases de efeito estufa e respondem por 60% das emissões provenientes dos sistemas alimentares, segundo artigo publicado na revista nature food. Isso se deve, em grande parte, ao dióxido de carbono liberado pelo desmatamento de florestas para pastagem e alimentação, bem como ao metano proveniente da pecuária.
De acordo com um outro estudo publicado na nature climate change, a redução do consumo de carne e laticínios poderia diminuir as emissões globais da dieta em 17%.
Os cientistas afirmam que uma redução de 45% nas emissões de metano até 2030 poderia ajudar a evitar 0,3ºC de aquecimento.
“Somente até 2030, em uma trajetória normal, as emissões do setor pecuário consumirão quase 50% do orçamento de emissões de GEE [gases de efeito estufa] compatível com a limitação do aumento da temperatura global a 1,5ºC”, afirmou um relatório recente da Harvard Law School elaborado por mais de 200 especialistas em clima e agricultura.
Apesar da crescente popularidade de alternativas à base de plantas – como o leite de amêndoas e de aveia – em algumas partes do mundo, leite e laticínios são consumidos por cerca de 6 bilhões de pessoas em todo o mundo, e espera-se que a demanda cresça de forma constante na próxima década, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
A entidade projeta também um aumento de até 14% no consumo global de carne até 2030.