Pela primeira vez, um imunizante contra a doença foi testado em humanos. Vacina produz resposta imune em 98,9% dos voluntários.Um novo estudo clínico de uma vacina para a febre chikungunya obteve resultados promissores na terceira fase de testes. Essa foi a primeira vez que um imunizante para a doença foi testado em humanos.

Se aprovada, a vacina teria a capacidade de proteger milhões de pessoas da doença transmitida por mosquitos, destacam os autores da pesquisa publicada nesta segunda-feira (12/06) na revista especializada The Lancet.

O estudo inédito mostrou que, 28 dias após a aplicação de uma dose da vacina VLA 1553, foram gerados níveis de anticorpos neutralizantes do vírus com duração de até 180 dias em 98,9% dos participantes dos testes.

“A vacinação mostrou uma eficácia muito boa nos estudos até o momento. Após a vacinação, a resposta imune pode ser detectada em quase todos os indivíduos imunizados depois de quatro semanas”, destaca Torsten Feldt, especialista em doenças infecciosas e tropicais do Hospital Universitário de Düsseldorf.

A vacina contém uma versão viva e modificada do vírus chikungunya, que pode se multiplicar no corpo sem causar a doença. Esse tipo de imunizante de vírus atenuado imita com muita semelhança as infecções naturais, desencadeando uma resposta imune robusta que fornece uma proteção ampla e duradoura.

Esse é o método aplicado em vacinas contra sarampo, caxumba e rubéola (a tríplice viral), varíola e febre amarela, por exemplo.

Embora haja um pequeno risco de o vírus enfraquecido se transformar numa forma mais virulenta nesses tipos de vacina, o estudo clínico mostrou que a VLA 1553 foi bem tolerada, inclusive entre os voluntários mais idosos.

“Houve apenas alguns efeitos colaterais relevantes. Embora milhares tenham sido vacinados, o monitoramento de segurança mesmo após a aprovação é importante para obter informações mais precisas sobre efeitos colaterais mais raros”, acrescenta Feldt.

As vacinas de vírus atenuado são apenas um dos vários tipos de imunizantes existentes para o combate de doenças. Outros tipos incluem vacinas com vírus inativo, método usado em imunizantes para gripe ou raiva, vacinas de RNA mensageiro, aplicadas em algumas contra covid-19, e vacinas toxoides, como as contra difteria e tétano.

O vírus chikungunya

Descoberta na Tanzânia em 1950, a febre chikungunya se espalhou por várias partes da África, Ásia, Caribe e América do Sul, inclusive no Brasil, onde o vírus é transmitido pelos mosquitos Aedes albopictus e Aedes aegypti – os mesmos transmissores da febre amarela e da dengue.

Desde o final de 2013, ela tem se espalhado rapidamente pela América Latina. No Brasil, o primeiro caso foi registrado em 2010, mas o paciente havia se infectado no exterior. Em 2014, foram registrados os primeiros casos de transmissão interna da doença no país, indicando que o vírus havia chegado ao território brasileiro.

Os sintomas da doença incluem dores nas articulações e musculares, febre alta e erupções cutâneas. Atualmente não existe um remédio específico para a enfermidade. Embora os sintomas geralmente melhorem em uma semana, a dor nas articulações pode persistir por meses. Em alguns casos, ela pode causar artrite reumatoide.

“A chikungunya é fatal em poucos casos, mas a doença em si não é agradável. Os sintomas podem permanecer por duas semanas. Em casos graves, a artrite dolorosa pode durar semanas”, afirma Peter Kremsner, especialista em doenças infecciosas e tropicais da Universidade de Tübingen, na Alemanha.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) listou o vírus chikungunya como um dos prioritários para o desenvolvimento de vacinas.

Predominante em países tropicais

As regiões tropicais apresentam as maiores taxas de incidência do vírus, sendo Paraguai, Bolívia, Brasil e Tailândia os países mais afetados. O número de casos no mundo é relativamente baixo, com o Paraguai registrando pouco mais de 82 mil casos e 43 óbitos pela doença entre janeiro e março deste ano. Já na Tailândia foram contabilizados 259 casos nesse mesmo período.

Há relatos de chikungunya nos países africanos, mas os dados atualizados são difíceis de verificar. Surtos ocorrem no Sudão, Congo e Quênia desde 2018, mas os casos registrados são relativamente baixos. O país mais afetado da região, o Sudão, contabilizou cerca de 14 mil casos desde 2018.

Em 2013, um surto da doença na América do Sul causou mais de 1 milhão de infecções em pouco meses. Embora a taxa de mortalidade fosse baixa, cerca de 52% dos infectados sentiram dores fortes nas articulações por meses.

Estudos sugerem que a doença teria causado a perda de 150 mil anos de vida por incapacidade somente em 2014. Esse cálculo representa a perda do equivalente a um ano de vida de saúde plena.

Mudança climática expande regiões atingidas

Apesar de ser comum em países tropicais ao sul da linha do equador, as mudanças climáticas estão possibilitando a expansão das áreas habitáveis para os mosquitos transmissores do vírus chikungunya. “O mosquito tigre-asiático está se espalhando cada vez mais. Ele já é nativo no sul da Europa e está se tornando cada vez mais comum na Alemanha”, conta Kremsner.

A malária é um excelente exemplo de como o aquecimento global está impulsionando a proliferação de doenças. Entre 1898 e 2016, a espécie de mosquito Anopheles que transmite a malária expandiu seu alcance em 4,7 quilômetros por ano ao sul do equador – o que equivale a 550 quilômetros no total durante esse período.

Modelagens de dados preveem que o aquecimento global expandirá ainda mais o habitat de espécies de mosquitos, ampliando o risco de contágio de doenças transmitidas por esses animais entre a população global.