Regime chavista fará pleito para escolher chefe de governo e deputados para o território guianense rico em petróleo. Líder venezuelano ordenou “controle rigoroso” das fronteiras.No próximo domingo (25/05), a Venezuela vai eleger um governador e oito deputados para o território de Essequibo, a gigante região guianense que há mais de um século é disputada pelos dois países. Sete membros do conselho legislativo regional também serão escolhidos.

É a primeira vez que a Venezuela pretende apontar autoridades para a área de 160 mil quilômetros quadrados tomada por floresta, sobre a qual não tem qualquer poder efetivo, já que Essequibo é internacionalmente reconhecido como um território da Guiana.

Ninguém no próprio Essequibo poderá participar. Os centros de votação ficarão no estado fronteiriço de Bolívar, na Venezuela, onde vivem os pouco mais de 21,4 mil eleitores venezuelanos que compõem o distrito eleitoral recém-criado.

A eleição anunciada pelo líder chavista Nicolás Maduro desafia pedidos da Comunidade do Caribe (Caricom) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ), declarada competente para decidir sobre a disputa, que instaram Caracas a desistir de realizar eleições para uma área que não controla.

“Nossa vontade de recuperar os direitos históricos, territoriais e demais da Guiana Essequiba é inabalável”, disse Maduro na quarta-feira. Ele ordenou o estabelecimento de um “controle rigoroso” na fronteira com a Guiana sobre o movimento de pessoas e veículos “por terra, ar e mar” antes das eleições regionais.

Já seu homólogo guianense, Irfaan Ali, reafirmou sua posição de que seu país não entregará, “nem agora nem nunca”, qualquer parte do Essequibo à Venezuela.

Seu governo também advertiu que qualquer guianense ou residente do país que apoiar as eleições planejadas pela Venezuela será acusado de traição.

“A questão do Essequibo foi resolvida há muito tempo e eles (os venezuelanos) não estavam interessados até que surgiram problemas políticos locais e quando descobrimos o petróleo”, acrescentou Ali.

Não há mais detalhes sobre as eleições. O site do Conselho Eleitoral Nacional (CNE) venezuelano, que organiza este e o pleito dos demais estados do país no próximo domingo, não funciona desde julho de 2024, quando Maduro foi proclamado vencedor da eleição presidencial.

O número de eleitores que participarão da eleição foi obtido por agências de notícias. O candidato do chavismo é o ex-comandante da Marinha venezuelana, Neil Villamizar. A oposição é representada por Alexis Duarte. Ele rejeitou o pedido da líder de seu partido, María Corina Machado, para boicotar o pleito.

Impasse histórico

O impasse entre Caracas e Georgetown vem de longa data. As disputas de limites fronteiriços sobre o Essequibo começaram com o Laudo Arbitral de Paris, de 1899, que deu soberania sobre o território à então Guiana Britânica.

Em 1966, a Venezuela contestou a decisão sob suspeita de conluio entre os árbitros e os britânicos. O país sul-americano assinou, então, o Acordo de Genebra com o Reino Unido, que estabeleceu uma nova comissão para resolver a disputa. Com a subsequente independência da Guiana, a discussão não se concretizou.

A reivindicação foi reativada pelo regime de Maduro em 2023, quatro anos após o país vizinho iniciar a extração de grandes volumes de petróleo que rapidamente transformou sua economia.

O petróleo bruto foi descoberto no local em 2015 pela petrolífera americana ExxonMobil. A perspectiva anunciada pela empresa de produzir mais de 1 milhão de barris por dia até 2027 trouxe imediato interesse do mercado internacional, preocupado em encontrar fontes estáveis e alternativas à agora sancionada Venezuela.

Mesmo com um acordo de distribuição de royalties do petróleo considerado enxuto pelos guianenses, a reserva provada de 11 bilhões de barris de petróleo encontrada na costa de Essequibo fez a economia disparar. Em 2022, a Guiana foi o país cujo PIB mais cresceu no mundo, 62% maior em comparação ao ano anterior, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Eleição sem jurisdição

A Venezuela alega ter herdado o Essequibo da era colonial espanhola e, em 3 de dezembro de 2023, realizou um referendo sobre sua soberania em relação ao território sem a participação de guianenses.

O mesmo acontece agora com a eleição do primeiro governador, que não terá autoridade sobre os habitantes dessa região.

“Não há jurisdição e eles não exercerão a soberania”, explicou Ricardo de Toma, pesquisador venezuelano sobre a questão de Essequibo no Instituto Meira Mattos, no Rio de Janeiro. “A eleição é simbólica, o mandato será simbólico.”

O cientista político Gabriel Flores, entretanto, vê as eleições como “um ato estratégico da Venezuela para reafirmar seu domínio sobre o território disputado”.

O referendo de 2023 resultou em uma lei venezuelana que criou o estado de Guiana Essequiba, enquanto as tensões com a Guiana atingiram contornos de um possível conflito armado.

A Guiana também reforçou sua presença militar na fronteira no período que antecede as eleições. E, na semana passada, denunciou um suposto ataque contra suas tropas.

“Não vamos cair em provocações”, disse o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, que incluiu na saudação militar a frase “O sol da Venezuela nasce no Essequibo”. A presença de um navio de guerra britânico na Guiana em 2023 também levou a Venezuela a mobilizar mais de 5,6 mil soldados em exercícios militares perto da fronteira com a área disputada.

O candidato independente venezuelano ao parlamento de Essequibo, Julio César Pineda, do Movimento Ecológico, argumentou que a ação é “metafórica” e que não haverá ocupação real do território guianense. “Não vamos ter um escritório físico do governador lá, não vamos ter um palácio do governo, é uma manifestação de nacionalidade”, disse.

gq/bl (afp, efe, ots)