01/07/2022 - 14:30
Um estudo publicado no American Journal of Public Health em 2021 mostrou que há muito tempo circula uma grande quantidade de desinformação sobre o aborto. O debate ficou mais intenso desde que a Suprema Corte americana revogou cinco décadas de precedentes legais sobre o aborto nos Estados Unidos no último dia 24 de junho.
Tanto opositores quanto defensores dos direitos reprodutivos estão discutindo acaloradamente a questão – e às vezes usando alegações falsas. A DW checou quatro argumentos de ambos os lados no debate sobre o aborto.
As proibições impedem abortos?
Alegação: Muitos defensores dos direitos reprodutivos dizem que as proibições não impedem o procedimento, mas podem levar a abortos com risco de vida. “A proibição do aborto não impede sua prática”, diz uma usuária do TikTok. “Isso apenas impede abortos seguros.”
Checagem da DW: Verdadeiro.
Pesquisadores britânicos analisaram dados de 1990 a 2019 e concluíram que as taxas de aborto nos países onde ele é proibido eram aproximadamente iguais às registradas em países onde o procedimento é permitido. De acordo com esses dados, as proibições não levam a um declínio no número de abortos.
Os pesquisadores avaliaram números de 166 países. Em todo o mundo, cerca de uma em cada duas gestações indesejadas termina em aborto, com exceção da Índia e da China, que não foram incluídas nas estimativas porque seus grandes tamanhos populacionais distorceriam as médias. De fato, em países onde o aborto é restrito, a proporção de gestações indesejadas e de aborto aumenta.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 45% dos abortos em todo o mundo são inseguros – ou seja, que ocorrem sem aconselhamento, são realizados por pessoas não qualificadas ou acontecem de forma incorreta ou anti-higiênica. Em países onde o aborto é ilegal, o procedimento geralmente representa um risco adicional à saúde.
A falta de atenção ao aborto seguro e o estigma associado ao procedimento em alguns lugares podem comprometer o bem-estar físico e mental das pacientes ao longo de suas vidas. A OMS estima que de 4,7% a 13,2% das mortes maternas no mundo ocorrem por causa de abortos inseguros. Nas regiões desenvolvidas, as estatísticas apontam que 30 em cada 100 mil pacientes morrem por causa de abortos inseguros; nas regiões em desenvolvimento, o número é de 220 por 100 mil. Estima-se que 7 milhões de pacientes em países em desenvolvimento foram atendidas em hospitais após sofrerem complicações decorrentes de abortos inseguros em 2012.
Não existem “abortos seguros”?
Alegação: Ativistas antiaborto muitas vezes afirmam que qualquer tipo de aborto põe em risco a saúde das mulheres. A organização Live Action afirma que “o aborto seguro não existe”.
Checagem da DW: Falso.
Existem dois tipos de procedimento: médico (não cirúrgico) e clínico (cirúrgico). No primeiro, dois medicamentos diferentes – “mifepristone” e “misoprostol” – são usados para interromper a gravidez. O segundo envolve uma operação para remover o feto.
De acordo com o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (Acog), o aborto é um procedimento médico comum, no qual complicações são raras e ocorrem em apenas 0,2% a 0,5% dos casos realizados por profissionais qualificados, independentemente da idade da gestante ou do tipo de aborto. Isto também é confirmado por Alicia Baier, médica e cofundadora da organização Doctors for Choice Germany. Baier acrescenta que os comprimidos estão sendo cada vez mais usados em todo o mundo e também ajudam a reduzir a mortalidade materna causada por abortos inseguros.
Helena Lüer, do Médicos Sem Fronteiras, disse à DW que o aborto medicinal é 95% eficaz e “extremamente seguro”. “O risco de morrer por um aborto seguro é menor do que por uma injeção de penicilina ou extração de um dente”, acrescentou. Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA também mostram que a taxa de mortalidade de pacientes por aborto nos Estados Unidos é muito baixa. De 2013 a 2018, morreu menos de uma mulher (precisamente: 0,41) em 100 mil que passaram pelo procedimento.
Awa Naghipour, cofundadora da associação alemã Medicina Feminista, disse à DW que certos riscos são associados a abortos médicos e em clínicas. As complicações mais comuns dos abortos medicamentosos, segundo ela, são sangramento prolongado, cólicas e dores, dores de cabeça, náuseas e tonturas. Já o aborto na clínica também pode danificar o útero ou outros órgãos internos. Ela disse que os riscos são muito maiores em regiões onde o aborto é proibido ou severamente restringido. “Quanto mais aberto, acessível, supervisionado por médicos e padronizado for o acesso ao aborto, mais seguro ele se torna”, disse Naghipour.
De acordo com o Population Reference Bureau, uma ONG com sede em Washington, em países onde o aborto é proibido ou restrito, apenas um em cada quatro é considerado seguro. Já nos países onde o aborto é legal, 9 em cada 10 são considerados seguros.
A maioria dos americanos apoia leis rígidas de aborto?
Alegação: Os opositores ao aborto nos Estados Unidos afirmam que, apesar dos protestos recentes, a maioria dos americanos apoia restrições legais. A organização cristã Focus on the Family afirma em seu site que “71% dos americanos apoiam as restrições legais ao aborto”, citando uma pesquisa realizada pela Marist Poll.
Checagem da DW: Enganoso.
Para a pesquisa citada, 1.004 adultos foram entrevistados por telefone no início de janeiro sobre suas atitudes em relação ao aborto. De acordo com a ONG cristã Knights of Columbus, que patrocinou o levantamento, uma das principais conclusões é que 71% dos americanos são a favor de restrições legais ao aborto.
No entanto, os entrevistados foram apresentados a várias afirmações com as quais eles poderiam concordar ou discordar. Assim, os 71% deram as seguintes respostas: 22% das entrevistadas disseram que o aborto só deveria ser permitido nos primeiros três meses de gravidez; 28% disseram que só deve ser permitido em casos de estupro, incesto ou perigo para a gestante; 9% disseram que o aborto só deveria ser permitido para salvar a vida da pessoa; e 12% disseram que o aborto nunca deveria ser permitido.
Assim, o percentual de 71% não indica que os entrevistados são a favor de restrições legais extremas ao aborto, mas apenas que são a favor de algumas restrições – e em casos muito diferentes.
Outros estudos também fornecem resultados diferentes. Uma pesquisa recente da National Public Radio (NPR) com 941 adultos americanos, por exemplo, revelou que 56% se opõem à decisão da Suprema Corte de não garantir mais o direito ao aborto, 40% são a favor da decisão e 4% são indecisos. Os americanos estão polarizados sobre o assunto, e a alegação de que há uma ampla maioria contra o aborto não pode ser provada com evidências factuais.
A taxa de abortos está diminuindo?
Alegação: “As taxas de aborto nos Estados Unidos vêm diminuindo há décadas”, escreve um usuário do Twitter. Para apoiar essa afirmação, ele postou estatísticas do Instituto Guttmacher, uma ONG de pesquisa e política, mostrando que a taxa de aborto vem caindo há quase 40 anos. Em 1981, uma média de 29,3 em cada mil mulheres entre 15 e 44 anos teriam feito um aborto; e em 2017, o número teria sido de apenas 13,5 em cada mil.
Checagem da DW: Enganoso.
Embora o gráfico corresponda aos números do Instituto Guttmacher, dados mais recentes de 2019 e 2020 estão faltando no gráfico publicado no Twitter. De fato, a taxa de aborto aumentou ligeiramente nesse período. Em 2019, 14,2 em cada mil mulheres interromperam a gravidez nos EUA; em 2020, foram 14,4 por mil.
Tanto o Instituto Guttmacher quanto os Centros de Controle e Prevenção de Doenças publicam números sobre abortos nos Estados Unidos. Eles, entretanto, usam métodos diferentes e, assim, as conclusões divergem. Por exemplo, os dados do CDC geralmente não incluem números de todos os estados.
De fato, os números divulgados mais recentemente por ambos os institutos mostram que o número de abortos aumentou ligeiramente nos últimos anos. O último relatório do CDC contou 629.898 abortos em 2019, acima dos 619.591 de 2018. O Instituto Guttmacher também divulgou números para 2020, com os pesquisadores contando 930.160 abortos nos Estados Unidos – superior aos 916.460 no ano anterior.