22/11/2016 - 19:46
O lado nada glamuroso do universo da moda começou a ser exposto, bem longe das passarelas, e atingiu em cheio muitas marcas, entre as quais incluem-se grandes redes de fast fashion. Descobriu-se que elas estavam apoiadas em atividades que vitrine nenhuma mostrava: as condições precárias de trabalho de alguns elos da cadeia de uma indústria que, no Brasil, ocupa o segundo lugar em geração de emprego e que faturou, em 2015, US$ 36,2 bilhões.
Nas primeiras denúncias, muitas dessas marcas faziam questão de se distanciar dos problemas e usavam todos os argumentos jurídicos possíveis para frisar que as jornadas exaustivas e a remuneração vergonhosa das pessoas que pregavam suas etiquetas eram responsabilidade de suas terceirizadas. Hoje, porém, elas começam a se dar conta de que o discurso do distanciamento não vai mudar o lado avesso da triste e cruel realidade desse setor da economia.
Partindo dessa nova consciência, o Instituto C&A, que há 25 anos vem trabalhando na formação de crianças e adolescentes, anunciou uma mudança audaciosa no seu foco de atuação. Ele agora se dedicará à sustentabilidade na indústria da moda, sobretudo no combate ao trabalho análogo à escravidão, o trabalho infantil e as condições desse ambiente laboral. “Foi um processo de reflexão sobre os desafios que a gente vinha acompanhando na indústria da moda que foram ficando mais evidentes e sobre como o Instituto poderia ter um papel nisso”, explica Giuliana Ortega, presidente do Instituto C&A.
A nova frente do Instituto terá um desafio imenso para costurar todas as partes envolvidas sem perder a sustentabilidade da proposta. Trata-se, afinal, de uma indústria na qual atuam 150 milhões de pessoas do mundo, sendo 1,5 milhão formalmente no Brasil, numa cadeia longa e fragmentada, que vai do campo ao shopping center. “Queremos mexer em como a indústria da moda opera, não apenas na cadeia da C&A”, afirmou Paulo Correa, presidente da rede varejista no Brasil, durante anúncio do novo foco do Instituto.
Algodão orgânico
Uma das ações previstas para essa frente de atuação começa na ponta inicial da cadeia, o campo. O Instituto vai avançar no incentivo ao cultivo do algodão orgânico. A C&A Foundation, fundação que abriga o Instituto C&A, será uma forte parceira nessa prioridade, já que fixou como meta aumentar a produção de algodão orgânico no mundo de 1% para 3% até 2020. Para isso, vai apostar em programas e cases de sucesso desde a Índia, maior produtor do mundo, até o Brasil, o quinto maior no cultivo dessa fibra e o maior produtor de vestuários em algodão do mundo, com 5,3 bilhões de unidades em 2015, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
O cultivo convencional do algodão é um dos que mais consomem água e utilizam agrotóxico, com impactos na saúde do trabalhador rural e no meio ambiente. Em paralelo, a parceira varejista se compromete a, no mesmo prazo, ter 100% de sua demanda atendida pelo algodão orgânico. Hoje, 15% dos produtos da C&A utilizam algodão fabricado com a matéria-prima mais sustentável. O próximo passo será direcionar os esforços para um contingente de trabalhadores que são quase invisíveis. Eles estão fora de dados oficiais, mas estima-se que formem um grupo próximo a 200 mil pessoas.
Parte do trabalho do Instituto passará também por estudos e pesquisas a fim de mapear o tamanho dessa informalidade e precariedade. Para se ter a dimensão da tarefa, 85% das roupas usadas no Brasil são produzidas dentro do país, segundo a Abit. Ainda que o tamanho real dessa população de mão de obra explorada seja desconhecido, sabe-se que, dentro da formalidade, as mulheres representam 75% do total. Assim, boa parte das ações do Instituto direcionadas a essa população que precisa ser formalizada e orientada vai passar por um trabalho de justiça de gênero e políticas de empoderamento feminino.