25/11/2022 - 4:15
Em homenagem ao médium mineiro Francisco Cândido Xavier, falecido há 20 anos, reproduzimos a seguir um dos artigos da edição a seu respeito publicada por PLANETA em 1983.
- A ciência na obra de Chico Xavier
- Reencarnação pela ciência: em busca de provas
- Tom Shroder: as evidências da reencarnação
No ano de 1919, Lorde Northcliffe, proprietário de uma cadeia de jornais londrinos, tomou conhecimento de uma obra que narrava fatos sobre a vida após a morte, psicografada por um sacerdote da Igreja Anglicana, o reverendo G. Vale Owen, pároco de Oxford, Lancashire.
A originalidade dos conceitos interessou Northcliffe a tal ponto que ele pediu (e obteve) permissão para publicar a obra, de forma seriada, no “Weekly Despatch”. Assim, ela apareceria nesse semanário durante os anos de 1920 e 1921, apesar dos protestos de pessoas ligadas à Igreja, inconformadas porque os ensinamentos contidos nas mensagens não condiziam com os cânones anglicanos.
Northcliffe não deu importância a essas reclamações e continuou imprimindo a série. Ele chegou a oferecer a Owen mil libras, soma considerada excelente naquela época. Embora seus proventos fossem modestíssimos, o sacerdote recusou essa quantia. Ele disse que a obra não era de sua autoria, mas das entidades espirituais que a haviam ditado, e que se sentia feliz por ter a oportunidade de torná-la conhecida.
No prefácio de um de seus livros, Owen rejeita a opinião geral de que os membros do clero são crédulos, aceitando tudo o que lhes é proposto dentro da área do misticismo. Explica que, ao contrário, o treinamento proporcionado a eles pela Igreja Anglicana desenvolve seu senso crítico a fim de que não se convençam facilmente da veracidade de qualquer fato novo que surja no âmbito daquilo que os ensinaram a aceitar.
Obras espirituais
Foi justamente por esse motivo que ele levou tanto tempo para admitir que as mensagens que lhe eram enviadas – recebidas por intermédio de terceiros – provinham de pessoas falecidas, uma das quais dizia ser sua própria mãe, desencarnada anos antes. Mas, quando se convenceu da legitimidade dessas comunicações, dispôs-se a receber as mensagens diretamente, conforme sugestões da entidade.
Então, após o término dos serviços religiosos e ainda de batina, ele se sentava na sacristia da sua igreja, de lápis na mão, transcrevendo o que lhe ditavam sua mãe e o grupo de espíritos que trabalhava com ela.
Vemos, pois, já de início, que existem paralelos entre a vida mediúnica do sacerdote inglês e de Chico Xavier: ambos foram iniciados no trabalho espiritual que iriam executar por suas falecidas mães.
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Outra semelhança é que nem Chico, nem Vale Owen aceitaram qualquer soma em dinheiro pela publicação de seus trabalhos. A alegação de ambos foi de que a obra não era de sua autoria, mas das entidades espirituais que a ditavam.
Devemos ressaltar, contudo, que Chico Xavier era católico praticante e só teve três anos de escola primária a seu favor. Já Owen, como sacerdote da Igreja Anglicana, era altamente instruído. Ele frequentou algumas das melhores escolas e universidades inglesas. Apesar dessas diferenças culturais e religiosas, não existem dissonâncias profundas entre o conteúdo das obras psicografadas por um e outro. Ambos receberam descrições detalhadas sobre o que ocorre após a morte do corpo físico, com informações detalhadas acerca do Outro Lado.
Evolução e reencarnação
A mais marcante divergência refere-se à reencarnação. Segundo Chico Xavier, ela é imprescindível para a evolução do homem, explicando, de maneira racional, as causas de seus sofrimentos, das distinções sociais, etc. Vale Owen não aborda o tema em sua obra, ao menos na parte que nos foi possível consultar. Conclui-se a partir dela, entretanto, que a evolução se processa em diferentes planos espirituais ou em outros planetas.
No que diz respeito ao volume de livros psicografados, não há termos de comparação entre a produção dos dois médiuns. A obra literária de Chico Xavier deve ser a maior que o mundo conhece – mais de 400 livros [dado atualizado]. A de Owen, nesse sentido, é modesta: 16 livros durante sua vida e um após seu desencarne, ocorrido em 1931.
Quanto às entidades espirituais que inspiraram tais obras, parece que uma legião se propôs a trabalhar através de Chico Xavier. O mesmo não ocorreu com Owen: o número de entidades principais não era grande, embora falassem dos grupos de espíritos que as assessoravam.
Partindo-se para uma ligeira comparação do conteúdo das obras desses dois médiuns, o primeiro ponto que os leitores poderão observar é o de que a linguagem usada por ambos coaduna-se com a época em que viveram as entidades espirituais, sendo, muitas, vezes, de difícil compreensão. Isso ocorre especialmente nos livros de Owen, devido à construção arcaica das frases e às expressões antiquadas. Não se pode simplesmente ler esses livros – eles precisam ser estudados.
Nosso Lar e A Vida Além do Véu
Tanto Owen como Chico Xavier psicografaram narrativas progressivas a respeito da vida após a morte, descrevendo seus habitantes, os lugares onde vivem, seus meios de locomoção, etc. No caso de Chico Xavier, grande parte desses relatos está abrangida na série Nosso Lar, cujo autor espiritual, que assina sob o pseudônimo André Luiz, foi, quando encarnado, um médico brasileiro. Já em relação ao reverendo Owen, as mensagens sobre esse assunto se encontram na obra The Life Beyond the Veil (“A Vida Além do Véu”, cuja edição em português está esgotada), subdividida em cinco volumes: The Lowlands of Heaven (“A Parte Baixa do Céu”); The Highlands of Heaven (“A Parte Alta do Céu”); The Ministry of Heaven (“O Ministério do Céu”); The Batallions of Heaven (“Os Batalhões do Céu”); e The Outlands of Heaven (“A Parte Exterior do Céu”).
No primeiro livro da série Nosso Lar, intitulado igualmente Nosso Lar, o autor fala de um desagradável lugar, denominado Umbral, por onde perambulou durante oito anos após a sua morte. Nessa região escura, vizinha à Terra, reina o sofrimento. André Luiz tem consciência de que morreu e conhece a doença que o vitimou, mas dá a impressão de que não sabe quando o desenlace ocorreu. Em sua narrativa, diz que tinha fome e sede e que respirava, ainda que com dificuldade; sentia extremo cansaço, mas, quando deitava para dormir, não conseguia conciliar o sono, pois vozes de seres estranhos acusavam-no de suicida, o que lhe causava espanto e ressentimento.
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Descrições minuciosas
Enfim, exausto e desesperado, começa a procurar meios de sair desse lugar hediondo. Só consegue realizar o seu intento quando, ao lembrar-se de Deus, dirige a Ele o seu pensamento, pedindo auxílio. A ajuda aparece por meio de duas personagens idosas que o conduzem até as muralhas de uma cidade, que ele vislumbra vagamente. Ao transpor essas muralhas, André Luiz encontra-se na cidade espiritual chamada Nosso Lar. Ele é então levado a um hospital, onde recebe tratamento adequado e explicações sobre o que causou seu suicídio: abusos cometidos em vida!
Depois de sentir-se mais forte, André Luiz fica conhecendo a cidade. Ele faz descrições minuciosas sobre casas, ruas e avenidas, colinas e montanhas, bosques e rios, centros de lazer e de oração, meios de transporte, etc. Também menciona a volitação.
Ao estudarmos a obra de Vale Owen, verificamos que não é tão explícita e que os fatos não ocorrem tão logicamente como nos livros psicografados por Chico Xavier. No entanto, Owen também descreve cidades, casas, escolas, templos, colinas, montes, bosques, rios e lagos. Fala ainda de volitação e de meios de transporte como carruagens puxadas por cavalos guiados pelo pensamento, e não por rédeas. Ele também se refere a um céu azul-anil e à música instrumental vinda de um templo ou própria do ambiente – detalhes que não faltam nos livros de Chico Xavier.
Em suma, ambos transmitem ensinamentos e descrevem o Outro Lado da Vida de forma bastante diversa daquela apresentada pelas Igrejas Católica e Anglicana e dominante na época. Essas novidades causaram estranheza e até revolta entre os que leram os livros pela primeira vez. Suas respectivas igrejas também se insurgiram. Owen teve de abandonar o sacerdócio, e Chico, que não tinha batina para largar, sofreu um bocado.
Entidades inspiradoras
Há, ainda, um detalhe bastante importante que precisa ser lembrado: os dois médiuns não se conheceram, não falavam a mesma língua, moravam em lugares distantes um do outro – mas deram o mesmo recado!
É interessante também falar sobre as entidades espirituais que inspiraram os dois médiuns. A série Nosso Lar foi ditada, como já dissemos, por um médico brasileiro (André Luiz). Supõe-se que ele tenha sido Oswaldo Cruz, embora não haja provas a esse respeito. No caso de Vida Além do Véu, diversas entidades, com nomes estranhos, assinam a obra.
Como o sacerdote inglês era mais incrédulo do que Chico Xavier, insistia em receber esclarecimentos sobre quem haviam sido quando encarnados. Assim, descobriu que Astriel fora um diretor de escola em Warwick, na Inglaterra, e que vivera no século 18. Quanto a Zabdiel, apesar da insistência de Owen, a entidade recusou revelar sua identidade anterior. Arnel, mais compreensivo, satisfez sua curiosidade. Ele contou que vivera na Inglaterra no início da Renascença, mas que, em virtude de perseguições religiosas, transferira-se para a Itália. Lá, ele se fixou em Florença, onde ensinou música e pintura. A amanuense de Arnel fora uma costureirinha em Liverpool, a cidade dos Beatles, bem antes deles.
Em relação aos diferentes planos de existência, nos livros de ambos os médiuns encontram-se repetidas referências, que abrangem desde os inferiores, mais próximos da Terra, como o Umbral, até os superiores, onde habitam os espíritos evoluídos.
Setores sombrios
Na obra de Chico Xavier, o plano inferior é descrito na série Nosso Lar e em diversos outros livros, numerosos demais para citar. Em toda a obra de Vale Owen existem descrições esparsas, com maior ou menor grau de detalhamento. Em The Lowlands of Heaven, o autor discorre sobre os setores escuros e sombrios do abismo que separa “a parte inferior do céu” dos lugares mais iluminados. Ele também menciona a ponte que as entidades sofredoras atravessam para chegar aos planos superiores. Essa ponte mais se assemelha a uma cordilheira, ao longo da qual há casas que recolhem e auxiliam os viajantes durante sua longa caminhada. Alguns desses pormenores podem ser também pinçados das obras de Chico Xavier.
Outro ponto comum a ambas as obras é o que trata dos grupos socorristas. Tais grupos são compostos de espíritos evoluídos que se dedicam ao auxílio dos que se acham vagando nas regiões escuras. Esses espíritos mais iluminados habitam planos elevados, onde existem escolas, universidades, hospitais e até ministérios para cuidar da parte administrativa. O que se observa nesses locais é a intensa e ininterrupta atividade das entidades espirituais. Em lugar algum percebem-se espíritos em êxtase, em perene adoração ou simplesmente em repouso.
Esses grupos socorristas ainda prestam auxílio aos encarnados em dificuldades.
O pensamento como força criadora
Há um aspecto curioso nas mensagens desses dois médiuns: ambos falam de homens e mulheres que morreram e que, no entanto, não sabem que estão mortos. Isso ocorre porque se sentem tão vivos como quando estavam encarnados. Falam, ouvem, têm fome, sede e sono, sentem cansaço ou dores, andam num chão parecido com o da Terra, etc. Não é de se admirar, pois, que não compreendam que já romperam os laços que os ligavam a seus corpos físicos. Como André Luiz, passam por uma etapa penosa. Um dos fatores que dificultam a sua aceitação é a ausência de preparação para a vida além-túmulo durante o tempo em que permaneceram encarnados.
Se foram membros de alguma Igreja, aprenderam que há um Céu, um Inferno e um Purgatório, mas não puderam dispor de relatos nítidos acerca desses lugares. Se integraram outras seitas, aprenderam que o fiel dormirá até o dia do Juízo Final, quando soará uma trombeta. Condicionados a acreditar no que seus respeitável pastores espirituais ensinaram, não supõem que já se transferiram para o Outro Lado. Precisam, então, conscientizar-se de que estão mortos e aceitar o fato como irreversível – tarefa executada pelos espíritos socorristas.
Ao lado desses existem, contudo, os mortos que são perigosos aos vivos: os que foram violentamente lançados no Mundo Espiritual com as mentes cheias de ódio e terror e possuídos pelo desejo de desforra. Assassinados por inimigos particulares ou vítimas de guerras, perambulam num plano adjacente à Terra, procurando seus algozes para se vingar.
Vale Owen fala desses mortos no quinto volume – The Outlands of Heaven, de autoria de Zabdiel. Encontramos aí uma entidade bastante evoluída, que poderia permanecer em planos elevados, mas que se entrega à dura tarefa de auxiliar esses desencarnados que tanto necessitam de ajuda.
Vingança cruel
Descobrem-se explicações semelhantes na obra de Chico Xavier. Os que conhecem os trabalhos executados nas sessões de desobsessão sabem que os obsessores em geral são entidades espirituais que procuram se vingar de males infligidos anteriormente por aqueles que agora obsediam. Trata-se de uma vingança cruel, pois muitos casos de loucura são provocados por obsessores. Estes últimos precisam ser afastados por meio de trabalhos mediúnicos em sessões especializadas, para efetuar-se a cura do paciente. Ajudam nesses trabalhos os mentores ou instrutores espirituais que Chico cita em suas obras e Owen, no seu quinto livro. Todavia, além do afastamento do espírito obsessor, o obsediado precisa fazer sua parte através de uma higiene mental que compreende os bons pensamentos, a concessão do perdão, etc.
Chegamos, assim, a outro postulado que aparece em ambas as obras: o de que o pensamento age como uma força criadora. Esclarecem os dois médiuns, exemplificando por meio de casos específicos, que os bons pensamentos modificam o ambiente, curam os males físicos, criam um bem-estar duradouro e induzem à felicidade. Enquanto isso, os pensamentos negativos produzem ambientes negativos, gerando a infelicidade.
Por fim, resta-nos frisar que, apesar das inúmeras semelhanças, há, como dissemos antes, uma diferença fundamental na filosofia de uma e de outra obra: a importância da reencarnação. Vale Owen não se refere a ela como uma forma de educar o espírito. Já para Chico Xavier e os espíritos que inspiraram suas obras, a reencarnação constitui o princípio, o meio e o fim, pois por meio dela os espíritos aprendem, evoluem e se elevam a esferas superiores, conquistando uma luz cada vez mais intensa.