01/02/2017 - 9:52
Vênus tem quase o tamanho da Terra e os ingredientes presentes nos dois corpos são similares, mas as semelhanças param por aí. O segundo planeta mais próximo do Sol é coberto por pesadas nuvens de ácido sulfúrico e sua temperatura de superfície, acima de 460° C, pode derreter chumbo. Um estudo recente, porém, mostra que as coisas não foram sempre assim lá. Na época em que as bactérias primitivas começavam a povoar a Terra, Vênus possivelmente era um planeta bem mais amigável à vida, dotado de um clima ameno e de oceanos com profundidade de até 2 mil metros. Seria, assim, o primeiro reduto do Sistema Solar a se mostrar habitável.
“Se você estivesse lá 3 bilhões de anos atrás em uma latitude baixa e a uma altitude reduzida, notaria que as temperaturas de superfície não teriam sido muito diferentes do que as de um lugar nos trópicos da Terra”, diz Michael Way, do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, em Nova York, que liderou o estudo. Mas ele alerta que o céu limpo seria raridade por lá: um colchão de nuvens e a chuva constante comporiam o cenário mais comum.
Apresentada em outubro na reunião da Sociedade Astronômica Americana, em Pasadena (Califórnia), e publicada na revista Geophysical Research Letters, a pesquisa indica que podem ter existido oceanos em Vênus entre 2,9 bilhões e 715 milhões de anos atrás, o que proporcionaria um período de estabilidade climática suficientemente longo para permitir o surgimento da vida microbiana.
A ideia de oceanos em Vênus já havia sido aventada nos anos 1980, por imagens da missão americana Pioneer. “Os oceanos da Vênus primitiva teriam tido mais temperaturas constantes, e se a vida começa nos oceanos – algo de que não temos certeza na Terra –, isso seria um bom ponto de partida”, disse Way.
Vênus é de longe o planeta mais quente do Sistema Solar. Sua proximidade com o Sol e uma atmosfera de dióxido de carbono 90 vezes mais densa que a da Terra ajudam a explicar a temperatura média de 462° C na superfície. Não à toa, as sondas americanas e soviéticas enviadas à superfície do planeta resistiram apenas algumas horas no solo antes de serem destruídas.
Temperatura amena
Way e seus colegas simularam o clima venusiano em vários momentos entre 2,9 bilhões e 715 milhões de anos atrás, a partir de modelos semelhantes aos usados para prever mudanças climáticas futuras na Terra. Os cientistas alimentaram o modelo com alguns pressupostos básicos, como presença de água, intensidade da luz solar e velocidade de rotação de Vênus. A versão virtual surpreendeu: há 2,9 bilhões de anos Vênus tinha uma temperatura de superfície média de 11° C. Ela somente aumentou há 715 milhões de anos – quando o Sol ficou mais poderoso –, para aproximadamente 15° C.
Descobrir o volume de água de Vênus no passado e a época em que ela começou a desaparecer é um enigma que pode ser solucionado a partir de medições mais acuradas da composição química da superfície e da atmosfera do planeta. Uma ferramenta importante nesse sentido é a sonda japonesa Akatsuki (veja nota ao final da reportagem), que desde 2015 orbita Vênus. Mas é difícil estabelecer a existência de vida microbiana no planeta sem investigar seu solo, algo por ora impossível para os conhecimentos e a tecnologia humanos disponíveis.
“Seria preciso uma grande quantidade de desenvolvimento de tecnologia e dinheiro para construir uma nave de desembarque capaz de sobreviver às condições atuais da superfície de Vênus e de escavar seu solo”, avalia Way. “Mas se os investimentos forem feitos, seria possível procurar esses sinais de vida, incluindo vestígios químicos.” De qualquer modo, as descobertas da equipe de Way deverão estimular novas investigações de Vênus por missões futuras da Nasa, como o Transiting Exoplanet Survey Satellite e o telescópio espacial James Webb.
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Missão ressuscitada
A missão espacial japonesa Akatsuki, que está observando em detalhes os sistemas meteorológicos venusianos, viveu uma aventura à parte antes de chegar à sua meta. Ela deveria entrar na órbita de Vênus em 2010, mas seu principal motor apagou e ela passou cinco anos à deriva girando em torno do Sol. Em 2015, aproveitando condições favoráveis, os cientistas da missão usaram propulsores de altitude a fim de redirecionar a nave para uma órbita em torno de Vênus. Na lista de perguntas que a Akatsuki busca solucionar estão a existência de vulcanismo em Vênus, se relâmpagos cortam a atmosfera venusiana e por que esta última gira 60 vezes mais rapidamente do que o próprio planeta.