01/07/2011 - 0:00
Entrevista
Robert Fogel
Economista, Prêmio Nobel de Economia de 1993, professor do Center for Population Economics da Universidade de Chicago
Nossos corpos estão mudando a uma velocidade sem precedentes. Nos últimos 300 anos, desde os primórdios da Revolução Industrial e da adoção das técnicas agrícolas modernas, os humanos ganharam dezenas de centímetros de altura e ampliaram a sua expectativa de vida em décadas. Em 15 gerações mudamos mais do que nos milênios anteriores. É bem possível que continuemos a ganhar saúde e longevidade.
A profecia, de um otimismo à prova de bala, é de Robert Fogel, que recebeu o Nobel de Economia em 1993 pelo uso pioneiro de métodos estatísticos no estudo da história. Junto com mais três autores – Roderick Floud, Bernard Harris e Sok Chul Hong –, ele acaba de publicar, pela Cambridge University Press, o livro The Changing Body: Health, Nutrition, and Human Development in the Western World Since 1700 (Corpo em Mutação: Saúde, Nutrição e Desenvolvimento Humano no Ocidente Desde 1700, em tradução livre).
Baseado num volume impressionante de dados, o livro indica uma correlação direta entre a altura média da população e o seu padrão de vida, convertendo a estatura em indicador de desenvolvimento econômico. Desde 1700, os homens britânicos ganharam 10 centímetros em média. Paralelamente, a expectativa de vida ao nascer passou de 38 para 75 anos, enquanto o Produto Interno Bruto per capita da Grã-Bretanha foi multiplicado 13 vezes. Tendência semelhante foi observada em todos os outros países desenvolvidos e é cada vez mais comum nos países pobres – embora muitos enfrentem reveses e demorem a alcançar o padrão britânico.
Fogel e seus colegas veem aí um círculo virtuoso em que o progresso tecnológico amplia nossa capacidade de enfrentar desafios ao mesmo tempo em que barateia a comida. Isso nos dá maior vigor, aprimorando a anatomia e a saúde humanas. Essas, por sua vez, permitem concentrar energia no estudo e no desenvolvimento de mecanismos que melhoram ainda mais a qualidade de vida.
Os autores falam também no efeito cumulativo desse progresso: se o acesso à comida e à tecnologia é facilitado por várias gerações, seu efeito é potencializado. Assim, a tecnologia acelera a evolução. As pessoas de hoje se destacam não só das outras espécies, mas também de todas as gerações anteriores de Homo sapiens.
Com passagens pela elite das universidades norte-americanas – Cornell, Columbia, Johns Hopkins, Harvard –, Fogel ganhou notoriedade por avaliar o peso da expansão das ferrovias na evolução da economia norte-americana e por um controvertido estudo, de 1974, em que reuniu evidências de que a escravidão era rentável para os Estados norte-americanos do Sul devido à forma como as plantações eram organizadas. Na época, os escravos, ressaltou, eram mais bem tratados do que os operários livres das usinas nos Estados do Norte porque eram um bem valioso. Por isso, os escravagistas jamais abandonariam o modelo espontaneamente, por mais imoral que fosse.
Atualmente com 85 anos, Fogel dirige o Center for Population Economics da Universidade de Chicago, para confirmar, no âmbito pessoal, sua promessa de longevidade produtiva. Nesta entrevista à PLANETA, ele descreve sua visão otimista do futuro humano.
No seu mais recente livro o sr. diz que é provável que as futuras gerações atinjam idades cada vez mais avançadas. Mas será que teremos uma boa qualidade de vida nesses anos extras de velhice?
Eu acredito que o aumento da expectativa de vida virá acompanhado por um adiamento do estabelecimento das doenças crônicas. Um exemplo: nos Estados Unidos a ocorrência da artrite foi adiada em 10 anos, se comparada às pessoas que tinham 65 anos no início do século 20. Além disso, as intervenções médicas são muito mais eficientes hoje do que no passado. Assim, uma combinação do aprimoramento da fisiologia humana e dos procedimentos médicos deverá melhorar a qualidade de vida de indivíduos em idade avançada, de modo a propiciar muitos anos adicionais com uma alta qualidade de vida. As melhorias estão se sucedendo.
Será que isso não vai criar novos problemas uma vez que implicará mais gastos médicos e com aposentadorias, caros tanto para os indivíduos quanto para os governos?
Gastamos mais para melhorar nossa saúde em parte porque esse é o serviço ou o produto ao qual damos preferência no momento de gastar nosso dinheiro. Também gastamos mais com os cuidados com a saúde porque as necessidades básicas da vida (comida, roupas e abrigo) hoje consomem uma parcela menor dos nossos ingressos em comparação com o que ocorria no passado.
No começo do século, esses gastos básicos representavam cerca de 80% do orçamento de uma família. Hoje, apenas um terço do orçamento doméstico é destinado a eles. Essa mudança nas proporções, de quanto gastamos para atender às nossas necessidades básicas, deve-se, em grande parte, ao fato de que o custo de produção caiu drasticamente.
A tecnologia é essencial para reduzir os impactos da desnutrição. Mas ela não contribui também para um aumento da disparidade entre os que têm e os que não têm acesso a ela?
Na verdade, depende do caso. Em algumas circunstâncias, o usuário tem acesso à tecnologia mesmo que não tenha recebido nenhum treinamento especial – é o caso das melhorias na qualidade dos medicamentos e dos alimentos ou do atendimento por médicos e outros profissionais da saúde que tiveram acesso a uma educação de qualidade e tecnologias avançadas. Para esse conjunto de oportunidades, você não precisa de nenhum preparo específico.
Por outro lado, há diversas tecnologias que dependem do nível de educação da população. Para utilizálas, essa tem de receber informações sobre nutrição e saúde, por exemplo, a fim de ampliar a sua capacidade de tirar vantagem das oportunidades que se apresentam. Nesse caso, as pessoas que recebem uma boa educação e vêm de grupos com maior renda terão, efetivamente, uma melhor possibilidade de acesso.
Que estratégias seriam mais eficazes para reduzir essas disparidades? Melhorar a nutrição de mães e crianças nos países mais pobres? Facilitar o acesso desses grupos a tecnologias mais avançadas?
As duas estratégias poderiam ajudar. Um bom exemplo de estratégia promissora seria a concessão de autorizações para empresas baseadas em países pobres para que possam produzir remédios criados por laboratórios de países desenvolvidos. Isso permitiria baratear esses medicamentos.
No começo do século, as famílias gastavam 80% da renda com alimentos. Atualmente, só 30%. Hoje, gasta-se mais com saúde
No livro, o sr. discute os possíveis impactos do aquecimento global, mas admite que esse é um fenômeno recente e as suas consequências são imprevisíveis. O sr. acredita que ele poderia inverter dramaticamente a tendência atual de ganho de qualidade de vida graças ao avanço tecnológico?
O aquecimento global não é um problema imediato e não estudamos o assunto suficientemente. Ainda não sabemos com certeza se ele é causado por práticas humanas ou por fenômenos atmosféricos naturais. Alguns estudos da evolução das temperaturas no passado sugerem que há um ciclo natural de elevação e redução que independe das atividades humanas. O melhor caminho, no momento, é continuar a investir no estudo dos fatores que influenciam as temperaturas globais.
E quanto à epidemia de obesidade, notável nos Estados Unidos?
Os avanços na fisiologia humana estão melhorando o nosso conhecimento sobre o tamanho do corpo. No passado, considerava-se que o Indice de Massa Corporal (IMC) ideal ficava entre 21 e 24. Alguém com um IMC na faixa de 25 era considerado obeso. No entanto, como nos tornamos mais altos, o IMC ideal (associado a uma menor taxa de mortalidade) nos países ricos, como os EUA, ficou por volta de 26.
O que antes era considerado obesidade hoje é bastante saudável. Claro, o fato do IMC ideal ser mais elevado não significa que eliminamos o problema do sobrepeso. Ele ainda é um problema, mas hoje começa num nível mais elevado de massa corporal. Além disso, estamos educando melhor as pessoas quanto às quantidades e aos nutrientes que elas deveriam consumir.
Que mudanças do nosso corpo mais o impressionam?
Considere, por exemplo, que um homem comum em 1850 media 1,70 m de altura e pesava 66 quilos, com expectativa de vida de 45 anos. Em 1980, o homem típico com cerca de 30 e poucos anos media 1,78 m, pesava 80 kg e passava dos 75 anos. Na época da Revolução Francesa, um francês de 30 anos pesava cerca de 50 kg. Hoje pesa 77 kg. Na Noruega, no fim do século 20, um jovem de 22 anos tinha aproximadamente 14 centímetros a mais de altura do que no século 18.
O sr. mostra que a saúde e a nutrição das grávidas e dos seus filhos contribuem para o vigor da geração seguinte. A expansão de monoculturas, inclusive para a produção de biocombustíveis, pode comprometer a diversidade da dieta, aumentando a desnutrição em nível local? pode reduzir o bem-estar social?
Essa resposta depende das oportunidades que os países produtores encontram ao realizar comércio com o resto do mundo. Se o comércio é viável, uma sociedade pode se sair melhor se ela se concentrar num tipo particular de cultura ou produto.
O fato é que, antes do século 19, a maioria das pessoas sofria capturada por um ciclo interminável de agricultura de subsistência: um fazendeiro da era colonial, por exemplo, trabalhava em torno de 78 horas por semana de cinco dias e meio. As pessoasprecisavam de mais alimentos para crescer e ganhar força, mas eram incapazes de produzir mais comida sem serem fortes. A tecnologia desfez o impasse e resgatou a humanidade de séculos de males físicos e desnutrição.