Uma dúvida persistente intrigava os pesquisadores em relação ao SARS-CoV-2, o coronavírus causador da covid-19: como ele chega ao cérebro depois de entrar no trato respiratório? As células cerebrais não têm os receptores que o vírus usa para entrar nas células nasais e pulmonares. A importância da solução do enigma reside no fato de que os distúrbios neurológicos estão entre os mais comuns no conjunto de sintomas listado como covid longa.

Pesquisadores do Instituto Pasteur (França) trouxeram uma resposta, que mostra a engenhosidade do vírus: ele é capaz de fazer “pontes” de nanotubos – cilindros feitos da proteína comum actina, com não mais do que algumas dezenas de nanômetros de diâmetro – que abrangem lacunas de célula a célula para invadir um vizinho e fornecer às partículas virais uma rota direta para o tecido impermeável à covid. Os cientistas demonstraram as perspectivas de hibridização celular mediada por nanotubos em um estudo em um prato de laboratório que agora precisa ser confirmado em pacientes humanos infectados. As descobertas, publicadas na revista Science Advances, podem explicar por que algumas pessoas que contraem a covid-19 relatam nevoeiro cerebral (quadro que inclui dificuldades de memória e concentração) e outros sintomas neurológicos.

Atalho

A rota dos nanotubos “é um atalho que espalha a infecção rapidamente e entre diferentes órgãos que podem ou não permitir a infecção”, afirma Chiara Zurzolo, bióloga celular do Instituto Pasteur que conduziu o estudo. “E também pode ser uma maneira de o vírus se esconder e evitar a resposta imune”.

O vírus pode assumir o controle dos próprios nanotubos de uma célula e distraí-la de outras tarefas rotineiras, como a transferência intercelular de lipídios e proteínas. Pesquisas iniciais sobre o SARS-CoV-2 sugeriram que ele poderia sequestrar projeções de células semelhantes. Um artigo de 2020 publicado na revista Cell descobriu que as células infectadas com o novo coronavírus estendiam antenas semelhantes a antenas chamadas filopódias com partículas virais a bordo.

O SARS-CoV-2 normalmente entra nas células nas vias aéreas e em outros lugares, anexando sua proteína spike saliente (espícula) aos receptores ACE2 em sua superfície. Para descobrir o que ocorria em células que não possuem esses receptores, Zurzolo e sua equipe pegaram células de rins de macacos, infectaram-nas com SARS-CoV-2 e as cultivaram em uma placa de laboratório junto com neurônios humanos.

As células renais de macaco são frequentemente usadas para modelar as vias aéreas humanas em estudos sobre covid-19 porque possuem receptores ACE2. Os neurônios vieram de uma linhagem de células originariamente cultivada a partir de um câncer chamado neuroblastoma. Essas células não possuem receptores ACE2 – mas, após 48 horas lado a lado com células renais infectadas por coronavírus, 62,5% delas estavam infectadas com SARS-CoV-2.

Imagem detalhada

A equipe então usou técnicas de microscopia de última geração para mapear como ocorreu essa transmissão do vírus. Ao identificarem proteínas virais com anticorpos e compostos fluorescentes de uma maneira que os destacasse, os pesquisadores capturaram imagens de alta resolução do vírus dentro dos nanotubos de tunelamento que conectavam as células. Eles viram partículas de vírus e pequenas bolhas chamadas vesículas nas quais o vírus se copia. Descobriram também proteínas integrantes da maquinaria celular que o vírus usa para se replicar. A imagem foi tão detalhada que até as proteínas spike, que dão ao vírus sua aparência pontiaguda, eram visíveis, relataram os pesquisadores em seu artigo. Uma vez que o coronavírus se enraizava nas células neuronais, poderia continuar a se replicar.

Os experimentos também mostraram que as células infectadas com o coronavírus geraram muito mais nanotubos de tunelamento do que células não infectadas, sugerindo que o próprio vírus estimula uma célula a quebrar essas conexões. O SARS-CoV-2 não é o único patógeno que controla as células dessa maneira. O HIV também usa nanotubos de túnel para se mover entre as células, e o vírus Marburg desencadeia o crescimento de filopódios.

Zurzolo e sua equipe suspeitam que o vírus entra pelo nariz e viaja para um dos dois bulbos olfativos do cérebro, que contêm tecido que processa odores. Os nanotubos podem ajudar o vírus a evitar anticorpos, permitindo que ele permaneça no corpo por mais tempo. Os pesquisadores trabalham para provar que sua hipótese de como o SARS-CoV-2 chega ao cérebro ocorre em infecções reais. Se tiverem sucesso, podem encaminhar uma solução para um problema que tem perturbado muitas pessoas por sua duração.