09/01/2023 - 11:38
Em 2006, um corpo masculino foi descoberto em uma tumba na igreja de San Biagio em Cittiglio, no norte da Itália. A datação por carbono estimou que o corpo tinha mais de 700 anos. Agora, pesquisadores das universidades de Insubria e de Siena (Itália), com o apoio da Fondazione Comunitaria del Varesotto e da Fondazione Cariplo (organizações de caridade da Itália), acrescentaram outro detalhe sombrio ao corpo: ele foi vítima de um brutal assassinato. O caso foi objeto de um artigo publicado na revista Journal of Archaeological Sciences: Reports.
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O estudo que reconstituiu a morte do homem revelou que ele sofreu uma série de golpes na cabeça. Lesões na cabeça e na parte superior do corpo, segundo os pesquisadores, representam “um caso único de violência crua no passado desta população rural”.
Chiara Tesi, do Centro de Pesquisa em Osteoarqueologia e Paleopatologia da Universidade de Insubria e primeira autora do estudo, disse em um e-mail ao site americano McClatchy News que “o número e o poder prejudicial dos golpes mostraram a intencionalidade do agressor e talvez um certo exagero em relação à vítima, bem como um certo grau de violência crua, visando matar rapidamente a vítima e afetar sua identidade por meio de golpes direcionados na cabeça”.
Projeção social
Os pesquisadores usaram raios X tridimensionais para sobrepor as microestriações, ou pequenos sulcos deixados no osso de uma ferida, e identificar quais cortes foram feitos da mesma arma. Segundo Tesi, o processo é difícil, mas é a única maneira de atribuir múltiplos ferimentos à mesma arma quando a arma não foi identificada ou recuperada.
Recorrendo a esse processo, os pesquisadores identificaram quatro ferimentos provavelmente feitos pela mesma arma, de acordo com o estudo. Pôde-se então elaborar a hipótese de que uma espada, provavelmente de aço com base no contexto histórico, foi usada para atacar a vítima.
Apesar de reconstruir o último evento da vida do homem, os pesquisadores ainda só conseguem identificar alguns detalhes sobre como ele realmente viveu. “O indivíduo foi enterrado em frente à antiga fachada da igreja, perto da entrada do prédio”, disse Tesi. “Naquela época, a igreja estava orientada para o topo da colina, onde, de acordo com fontes históricas, teria sido construído um castelo. Assim, os enterros em frente à antiga entrada, segundo deduções arqueológicas, estariam provavelmente reservados a pessoas importantes de alguma forma ligadas à estrutura fortificada, presumivelmente descendentes da família fundadora do castelo.”
Para Tesi, a suposta proeminência da vítima na comunidade pode ter contribuído para seu assassinato, tornando-o um alvo maior para agressão. “É evidente que este tipo de agressão mortal, destinada a aniquilar completamente a vítima, deixa-nos incrédulos quanto à possibilidade de ser fruto de um motivo simples”, observam ela e seus colegas no estudo.
Ataque inesperado
Notavelmente, o esqueleto não tem nenhum ferimento defensivo, como marcas nas mãos e antebraços onde a vítima os ergueu para proteger a cabeça de ataques. Isso sugere que o ataque fatal foi rápido e provavelmente inesperado.
“As tentativas deliberadas de atacar a vítima na parte mais vulnerável do corpo são claramente expressas. Essa descoberta sugere que a estratégia do ataque foi incapacitar e matar rapidamente a vítima, sem lhe conceder tempo para reagir ou se defender”, escreveram os autores do estudo. “Isso pode implicar que a vítima foi pega de surpresa e que não teve tempo de reagir contra o adversário.”
As evidências antropológicas indicam que o homem tinha entre 19 e 24 anos, cerca de 1,5 metro de altura e passara por treinamento militar anterior, indicado por feridas cicatrizadas. Os pesquisadores também concluíram que ele praticava arco e flecha desde muito jovem devido à falta de fusão óssea no ombro e cotovelo direitos.
As características físicas da vítima foram usadas ainda para uma reconstrução facial, o que, segundo Tesi, ajudou os cientistas a entender como as feridas podem ter impactado os tecidos moles. A reconstrução também cria uma conexão emocional com a vítima, ainda não identificada. “Vamos esperar que, neste momento, pelo menos alguma justiça seja feita, devolvendo a este homem sua identidade e contando a história de sua vida e seu fim”, afirmou Tesi.