01/07/2010 - 0:00
Há dois anos, o empresário de tecnologia estoniano Rainer Nõlvak e alguns amigos propuseram a seus conterrâneos dedicar um dia ao recolhimento de lixo no país, o Let’s Do It Clean 2008. Cerca de 50 mil pessoas aceitaram a ideia e fizeram uma ampla faxina, tornando a iniciativa um modelo para ações semelhantes em outras partes do mundo. Um dos convidados do III Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, realizado em maio no Rio de Janeiro, Nõlvak (que também preside o Fundo Estoniano para a Natureza) fala nesta entrevista concedida por e-mail sobre o lixo material e imaterial que atormenta a humanidade e comenta uma proposta ousada: a realização de um Let’s Do It Clean no Rio de Janeiro.
Qual foi a origem de Let’s Do It clean 2008? Você já se interessava por tratamento de lixo?
Nunca estive nesse negócio. Apenas fiquei farto do lixo amontoado na nossa zona rural. Corro e ando bastante de bicicleta, e gosto de estar na floresta. Toda aquela beleza natural ao seu redor, silêncio, árvores, um cervo eventualmente… e, de repente, surge um saco plástico perto da sua trilha, recheado com o resultado final de nossa poderosa máquina de consumo! Sempre senti isso como uma violação de minha esfera íntima. Senti impotência, ódio. Senti que esse lixo ridiculariza nossa civilização – podemos voar para a Lua, mas nos afogamos no lixo, em vez disso… Percebi que, embora eu tente fazer minha parte na limpeza do lixo, ele tende a se multiplicar.
Meu velho amigo Toomas Trapido me telefonou e compartilhamos esse sentimento. Reunimo-nos depois com Allikmäe Kadri. Toomas descreveu seu sonho de ter o país limpo em cinco anos.
Percebi que seria impossível daquela forma – mas, uma vez que criamos esse mote de “limpar o país”, tínhamos de achar uma solução, pois queríamos desesperadamente isso! Pensei então que a única maneira de fazê-lo seria se todos nós, em nosso país, o desejássemos. Todos teríamos de desejar isso tão desesperadamente que nada – burocracia, regulamentos, falta de dinheiro – poderia detê-lo. Poderíamos tornar a ocasião um dia de festa para todos! Foi então que a ideia de Let’s Do It Clean nasceu.
Os estonianos ficaram felizes após o dia da limpeza. Como você explica isso?
Foi o sentimento de religação há muito tempo perdido entre as pessoas e a natureza que tocou o coração delas. Uma coisa é saber que é errado viver em meio ao lixo. Outra, bem mais difícil, é deixar essa situação penetrar fundo em seu coração e senti-la – você pode ficar muito deprimido. Eu fiquei. Então, em um dia, você sai e faz sua pequena parte e descobre que há dezenas de milhares de outros que também se importam com isso. Não falando ou discutindo, mas apenas fazendo sua parte. Em apenas cinco horas, tínhamos algo inimaginável – todo o lixo fora embora!
“sinto que o lixo ridiculariza a nossa civilização. podemos voar para a lua, mas nos afogamos no lixo, em vez disso”
A Estônia é um país pequeno e desenvolvido, com 1,3 milhão de habitantes. O Rio de Janeiro é uma metrópole de um país em desenvolvimento, com 6,2 milhões de habitantes, muitas favelas e problemas de violência e desigualdade educacional e socioeconômica. Como seria o desafio de limpar a cidade em 24 horas?
De fato, o Rio é muito maior do que a Estônia. No entanto, o desafio não está no tamanho. Viver numa casa limpa é uma escolha que qualquer sociedade pode fazer. Mas isso só pode acontecer se a escolha é feita por todos – ricos e pobres, velhos e jovens, homens e mulheres. São necessários menos de 10% das pessoas para iniciar uma mudança substancial na sociedade. No exemplo da Estônia, 3,5% de nós limparam 10 mil toneladas de lixo. Na Eslovênia, em abril, 12,5% da população participou! Indianos estão se preparando para uma limpeza de Nova Délhi. Para terem sucesso, eles precisam que 700 mil pessoas participem da ação. Se os moradores de Nova Délhi se atrevem a imaginar isso, por que não o Rio?
Você acha que um dia de limpeza desses estimula ações semelhantes de faxina em outras áreas, como economia, negócios e política?
É minha esperança. Não se trata apenas de remover lixo das florestas; essa é apenas a primeira etapa da limpeza. O mais importante é o sentimento passado às pessoas de que, uma vez que estivermos unidos para esse tipo de ação, a vibração se espalhará e a esperança emergirá. A esperança de que também podemos limpar os oceanos. A esperança de que os governos e as indústrias seguirão e que a transformação verde da nossa economia vai de fato acontecer. Talvez, no processo de unir esforços, descubramos que a limpeza ao nosso redor irá também reforçar o ser humano dentro de nós e nos purificar de dentro para fora.
Há pessoas que vão falar muito sobre o que acabei de dizer. Nós não conversamos muito sobre o dia da limpeza – simplesmente o fizemos. Temos um modelo que funciona, o qual é simples e não custa muito. Tem um grande valor educativo e cria laços entre as pessoas.
“para mudar o mundo, podemos começar com coisas simples. vamos limpar nossos países em primeiro lugar. Os jovens sentem assim”
Você ficou rico ao vender suas companhias de internet e comprou uma casa na Flórida, pois pensou que isso o faria feliz. “Foi a coisa mais estúpida que já fiz”, você disse ao jornal inglês The Times no ano passado. O que o levou a mudar de ideia?
Talvez eu aprenda devagar, mas você não pode comprar felicidade. Eu a encontrei por meio de meus próprios erros. Vejo que ser útil para outras pessoas me faz feliz. Gosto de pensar que essa é a forma com que todos nós somos construídos, no fundo.
O que é o Bank of Happiness, que você fundou em 2009?
É um banco onde as pessoas trocam boas ações. Elas fazem isso por nada, apenas para sentir-se bem em ajudar alguém em coisas simples, práticas. Temos dinheiro próprio, chamado thanknote, que você pode imprimir e dar para os outros. É de fato uma coisa pequena agora.
De acordo com um relatório recente do Worldwatch Institute, a atual taxa de consumo é insustentável. Como você vê essa situação?
É verdade, estamos em rota de colisão entre o ecossistema planetário e o consumismo individualista. O tamanho de uma mudança necessária para livrar a humanidade da escassez drástica é inacreditável! Nenhum governo do mundo está apto a fazer isso. Os temores são muito grandes. De outro modo, não estaríamos barganhando nas conferências sobre o clima como num mercado de fazendeiros. Os países foram construídos por razões completamente diferentes – para lutar, não para colaborar! A transformação que vai acontecer virá de dentro de nós, pessoas, e não dos governos.
Qual é sua visão de uma sociedade saudável?
O rápido progresso tecnológico da humanidade tem-nos desconectado do que realmente somos: seres vivos com emoções puras – amor e ódio, tristeza, felicidade. É cada vez mais difícil encontrar uma natureza intocada no planeta. Estamos cavando e queimando todos esses combustíveis fósseis. Estamos perdendo parte de nossas vidas, que são tão preciosas! Passamos nossas vidas com computadores e carros, e não com seres humanos. Não amamos; litigamos. Temos adquirido tudo de tecnológico de que precisamos para mudar nossos hábitos – e por que não mudar, então? Let’s Do It Clean talvez seja uma forma de criar o sentimento de união, o primeiro passo. Precisaremos mais tarde encontrar a maneira de criar essa força mental a fim de mudar o mundo para melhor. Podemos começar com coisas simples – vamos limpar nossos países em primeiro lugar. Os jovens sentem assim, felizmente.
Vamos chegar lá?
Espero que sim. A viagem deverá ser interessante. Muitos já começaram, mas ainda não são conhecidos. É um processo de crescimento como humanidade. Nos últimos 100 anos temos agido como adolescentes, sentindo o músculo da economia dar a cada um de nós poderes quase divinos. A história da felicidade por meio da compra de mais bens materiais nos levou a um mundo avançado, mas agitado e inútil. Talvez seja tempo de uma nova história – de respeito. Crescer significa ter respeito. Com nós mesmos, com os mais próximos, com outras pessoas, com nosso planeta azul.