13/07/2018 - 8:23
A bengalesa Bibi Russell, Artista Unesco pela Paz e famosa designer, realizou um tour de force: graças a ela, as humildes gamuchas – toalhas de algodão tradicionais que os sul-asiáticos usam em geral para limpar as mãos e o rosto – rivalizam com as mais prestigiosas peças de moda em passarelas do mundo. Presença em eventos como uma exposição sobre a moda sustentável dos países da Comunidade Britânica lançada no Palácio de Buckingham em fevereiro, com o apoio da rainha Elizabeth e da duquesa de Cambridge, ela vive seu verdadeiro sucesso longe das passarelas, em centenas de oficinas de tecelagem em seu país, Bangladesh, além de Uzbequistão, Colômbia e Índia.
A designer agora está envolvida em “um projeto difícil e emocionalmente muito envolvente”: com o apoio de Mamata Banerjee, ministra-chefe do estado indiano de Bengala Ocidental, ela trabalha no Lar Liluah, o maior abrigo para meninas locais, desde setembro de 2017. Ali, Bibi ensina e motiva as garotas, algumas delas vítimas de tráfico de crianças, para desenvolver habilidades geradoras de renda.
Os esforços de Bibi estão valendo a pena. Em 7 de março de 2018, 33 meninas do abrigo, incluindo 6 refugiadas rohingyas, desfilaram em um evento de moda organizado pelo governo indiano em Kolkata (ex-Calcutá) e idealizado por Bibi. Elas vestiam roupas desenhadas por suas amigas do Lar, treinadas pela própria designer. Desde o fim dos anos 1990, Bibi atua para desenvolver tecidos tradicionais e artesanato, dando chance a milhares de pessoas de sair da pobreza graças a seus “dedos mágicos”, como ela diz.
O design de moda foi sua verdadeira paixão e vocação, embora você tenha ficado famosa como top model. Como uma jovem de Bangladesh decidiu ir para uma escola de moda em Londres?
Bibi – Em casa, minha mãe costurava roupas para nós. Minhas irmãs não reclamavam, mas nunca fiquei feliz com as roupas. Então, quando eu tinha 10 anos, meu pai me comprou uma máquina de costura. Você mal consegue segurar uma tesoura corretamente quando tem 10 anos, mas comecei a experimentar. Quando eu tinha 15 ou 16 anos, meu pai me deu um livro sobre Coco Chanel. Descobri a alta costura francesa e percebi que há uma gramática na moda que eu queria estudar. Recebi prêmios por arte entre 6 e 12 anos de idade, mas não queria estudar arte. Queria fazer algo diferente, ir para Londres. Ao longo de seis meses, o London College of Fashion recusou minha candidatura, mas por fim me aceitou, com muitas condições em anexo.
Após 20 anos no Ocidente e o sucesso como top model, você voltou a Bangladesh em 1994. O que a levou a isso?
Bibi – Desde jovem, eu tinha um sonho. Eu não entendia por que o povo de Bangladesh era considerado pobre. Para mim, o país é rico em cores e música! Quando fui para a Europa, meu sonho foi comigo. Um dia, soube que estava mental e fisicamente pronta para voltar para casa. Eu acreditava que o povo bengalês precisava de mim tanto quanto eu dele. Você precisa de duas mãos para bater palmas. Hoje, depois de mais de 20 anos de experiência, sei que estava certa. Eles sabem que eu os respeito e os ajudo a restaurar sua dignidade humana. Essa é a coisa mais importante. Por outro lado, eles me dão muito amor e carinho! Isso me dá força para seguir em frente.
Quando você voltou a Bangladesh, iniciou um pequeno workshop de alfaiates, que se tornou a Bibi Productions em 1995. A maioria dos tecelões tradicionais vive em aldeias. Por que você fundou a empresa na capital, Daca?
Bibi – Em Daca, só tenho um escritório. Preciso dele para nos conectarmos ao resto do mundo. Mas passo 99,9% do meu tempo em aldeias. Trabalhamos com artesãos de várias partes de Bangladesh. Eles não são de famílias privilegiadas, e cada um deles – desde a pessoa que faz chá no meu escritório – sente que a Bibi Productions é deles.
Como define a filosofia por trás da Bibi Productions?
Bibi – Fazemos muito pouco lucro. Nosso foco é salvar e revitalizar o artesanato, apoiar os artesãos e conscientizá-los sobre a importância da educação e da saúde. Vejo a diferença desde que iniciei a empresa. Todos os que trabalham no escritório ou nas aldeias não têm mais que três filhos, sabem administrar melhor o dinheiro que ganham, e seu padrão de vida melhorou. Tendo saído da pobreza, eles entendem a importância de seus filhos irem à escola. Educação e saúde são a espinha dorsal de qualquer economia em qualquer país.
Quantas pessoas a Bibi Productions emprega?
Bibi – Temos no escritório cerca de 30 pessoas de vários cantos de Bangladesh. Além disso, trabalhamos com cerca de 100 mil artesãos. Isso não é nem 1% dos tecelões do país! Em países como Índia, Bangladesh e na Ásia Central, a agricultura é o setor mais importante da economia. Quem trabalha na agricultura e no artesanato vive lado a lado. Eu trabalho com gente que faz coisas à mão: Fashion for Development (Moda para o Desenvolvimento) é o que sou.
Como surgiu a ideia do Fashion for Development?
Bibi – Começou quando fiz meu primeiro show na Unesco, em 1996. Os designers raramente são reconhecidos pelas agências da ONU, mas a organização reconheceu a ligação entre moda e desenvolvimento, educação e saúde. O programa “Weavers of Bangladesh” da Unesco foi exibido por 29 canais de TV em todo o mundo. Foi apoiado por Federico Mayor, então diretor-geral da Unesco, e pela rainha Sofía da Espanha. Essas duas pessoas, que acreditaram em mim desde o início, me deram um apoio inestimável na minha carreira como designer. Recebi também muito apoio internacional. Desde então, fui convidada para as melhores universidades do mundo, que agora trabalham com moda para o desenvolvimento, e para o Fórum Econômico Mundial, porque eles percebem a importância da economia criativa e da economia social.
Em 1999, a Unesco a nomeou Designer para o Desenvolvimento. Em 2001, você foi designada Artista pela Paz. O que tais reconhecimentos significam para você?
Bibi – O que sou hoje é graças à Unesco. Mas também, graças ao meu trabalho, as pessoas percebem que Bangladesh não tem apenas problemas, é também um país maravilhoso. Mostrei o certificado de Designer para o Desenvolvimento aos tecelões e lhes disse que a honra era para eles, não apenas para mim. Você pode mudar a mente das pessoas quando respeita sua dignidade humana. Qualquer reconhecimento lhe dá força. Sou membro da University of the Arts, em Londres, graças a minha contribuição à promoção do tear manual. Os maiores designers do mundo também reconheceram o trabalho que faço para o desenvolvimento. O reconhecimento internacional me ajuda muito a promover o Fashion for Development.
O que define seu trabalho como designer de moda?
Bibi – Tudo o que fazemos na Bibi Productions é natural e artesanal. Nunca usei tecidos sintéticos ou cores artificiais. Meus modelos são inspirados pelo design tradicional. Claro que mudo cores, simplifico o design, mas nunca mudo a forma tradicional de tecer algodão ou seda. Entre meus artigos mais vendidos estão os acessórios e lenços. Meus braceletes são feitos de aguapé, planta abundante em Bangladesh. Agora tenho mulheres em seis aldeias fazendo essas pulseiras. E minhas gamuchas são promovidas pelo ator espanhol Antonio Banderas, então não preciso gastar dinheiro em publicidade. Eu nunca faria isso de qualquer modo – a Bibi Productions é um projeto autofinanciado, e centenas de pessoas dependem de mim para subsistir.
Como seu trabalho evoluiu?
Bibi – Quando fui trabalhar no Camboja, comecei a reciclar e hoje me tornei especialista em reciclagem! Em Bangladesh, faço coisas com o que as pessoas jogam fora. Mas a verdadeira “revolução” foi criada com nosso design para os jovens. Fazemos jeans em cores diferentes, saris de um modo diferente, blusas modernas, etc.
Como equilibra sua vida familiar com as atividades profissionais?
Bibi – Conheço a vida de casada, tenho dois filhos. Quando eles tinham cerca de 9 ou 10 anos, eu precisava fazer com que percebessem que tenho um sonho e que, se não o perseguisse, ficaria frustrada. Hoje, meus pais morreram, meus filhos moram no exterior, mas os artesãos com quem trabalho nunca me permitem sentir-me sozinha. São pessoas comuns, que precisam do salário no primeiro dia do mês para pagar o aluguel. Não são minha família, mas significam mais do que tudo para mim. Desde que voltei para Bangladesh, comecei a apoiar crianças de rua. Dei-lhes algum dinheiro com a condição de que fossem para a escola. Tornei-me sua fiadora em escolas de ONGs, onde em geral crianças de rua não são aceitas. Já são mais de cem crianças! Elas são minha fonte de alegria quando estou em Daca.