Retrospectiva sobre o cineasta alemão mostra como sua vida e sua obra foram influenciadas pelo fascínio por viagens e pela beleza de perder o rumo.Para Wim Wenders, se perder não é um fracasso, mas sim uma benção: “Quando você está perdido, realmente abandona a si mesmo. Simplesmente, está lá”, filosofa o cineasta alemão que, por mais de cinco décadas, convidou o público justamente a se perder em seus filmes, que vagam por paisagens desconhecidas e silenciosos espaços sentimentais.

Com Wenders completando 80 anos neste mês de agosto – precisamente, no dia 14 –, o museu Bundeskunsthalle, na cidade de Bonn, na Alemanha, revisita sua extensa obra – filmes, fotografias, gravuras e escritos – numa retrospectiva guiada pela pergunta sobre o que significa mover-se pelo mundo.

Um andarilho nascido nas ruínas

O movimento nunca foi apenas uma questão de distância para Wenders, mas sim de descoberta.

Ele, que frequentemente se define como um viajante, nasceu em Düsseldorf ao fim da Segunda Guerra Mundial e cresceu em uma cidade quase totalmente reduzida a escombros. O contraste surreal entre a Alemanha do pós-guerra e os lugares distantes que encontrou na enciclopédia do avô e nos jornais do pai o marcaram profundamente.

“Essa foi uma grande descoberta para mim e a força motriz da minha vida. O mundo era melhor. Eu sempre quis saber tudo sobre ele… Se tivesse ficado em casa, não estaria aqui”, afirmou no lançamento da exposição.

Aquele desejo infantil de explorar foi a base para uma carreira criativa que abrange diferentes continentes e gêneros.

Caminhos para revelações

Wenders começou a fazer filmes na década de 1970, emergindo como figura-chave do Novo Cinema Alemão ao lado de cineastas como Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder.

Sua trilogia de road movies – Alice nas Cidades (1974), Movimento em Falso (1975) e No Decurso do tempo (1976) – explora um de seus temas centrais: pessoas em movimento, tanto em termos físicos quanto emocionais, em busca de conexão ou pertencimento – o estilo “road” usa a viagem como recurso narrativo.

A fama internacional, no entanto, se consolidou com Paris, Texas (1984), road movie ambientado no sudoeste americano sobre perda e redenção emocionais. O filme acompanha um homem que aparece no deserto, sem memória, e embarca em uma jornada para se reconectar com o filho pequeno e a mãe do menino, em duas jornadas distintas. Hoje considerado um clássico, o filme rendeu a Wenders a Palma de Ouro em Cannes e o BAFTA de melhor diretor.

Outro clássico, Asas do Desejo (1987) apresenta anjos – um dos temas favoritos do diretor – voando sobre uma Berlim dividida no pós-guerra, observando a vida no chão, até que um deles se apaixona pelo mundo humano. O filme teria inspirado Cidade dos Anjos (1998), estrelado por Meg Ryan e Nicolas Cage, embora alguns críticos o tenham considerado um desserviço em comparação ao original de Wenders.

Sobre solidão e som

Mais recentemente, Wenders dirigiu Dias Perfeitos (2023), um sereno estudo de personagens ambientado em Tóquio que acompanha um zelador cujas rotinas ordinárias mostram alegria, isolamento e a sacralidade da vida cotidiana. O filme rendeu a Koji Yakusho o prêmio de melhor ator em Cannes e foi selecionado como representante oficial do Japão no Oscar de 2024.

No mesmo ano, Wenders lançou Anselm, um documentário 3D sobre o pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, seu contemporâneo, nascido em março de 1945.

Certa vez, o cineasta disse: “Todo filme é uma jornada, não apenas física, mas em direção à compreensão de algo”.

E o que seria de uma viagem sem uma trilha sonora? A música sempre desempenhou um papel crucial na obra de Wenders. Um exemplo notável é o documentário indicado ao Oscar Buena Vista Social Club (1999), no qual ele aborda a história de músicos cubanos idosos que saem da obscuridade para a fama mundial.

O álbum homônimo, vencedor do Grammy, não apenas vendeu mais de 8 milhões de cópias em todo o mundo, como também reavivou o interesse global pela música tradicional cubana.

Wenders também dirigiu videoclipes, incluindo Stay (Faraway, So Close!), da banda irlandesa U2.

A arte de ver ao se perder

Além de cineasta, Wenders é um fotógrafo prolífico, conhecido por imagens austeras de espaços abandonados, recantos esquecidos e estradas longas e silenciosas. Sua fotografia reflete bem sua obra cinematográfica, com foco no vazio, na quietude e na dignidade do espaço.

Ao mesmo tempo, Wenders segue viajando. Além de várias idas à China, ele finalmente realizou seu desejo de conhecer a Índia.

“Viajei pela Índia durante quatro semanas. Ainda não fui à Patagônia, um dos meus sonhos mais antigos… Nunca fui à Antártida ou ao Polo Norte. Evitei zonas frias. Conheço todas as partes quentes do planeta, mas não todas as frias”, brinca, em conversa com a DW.

Wenders também relembra, quase que saudosamente, os tempos pré-digitais, quando era possível se perder deliberadamente em novas cidades: “Em todas as grandes cidades do mundo, eu tentava me perder quando chegava pela primeira vez. E quando conseguia me perder, só então eu acho que realmente entendia a cidade”.

Com GPS em todos os telefones e mapas em todos os lugares, se perder tornou-se algo raro, o que deixa tudo isso ainda mais significativo para Wenders: “Quando você está perdido, você vê. Se você tem seu mapa e sabe o caminho, não vê tanto quanto nos momentos em que está perdido”.

Na exposição no Bundeskunsthalle, não é preciso ser fã de Wenders para se sentir atraído. A obra dele fala a qualquer um que já tenha se sentido fora de lugar ou almejado algo mais. As histórias que ele conta nos lembram que, ao nos perdermos, podemos descobrir novas maneiras de ver não apenas o mundo, mas também nós mesmos.

A exibição fica em cartaz até 11 de janeiro de 2026.