14/01/2025 - 7:38
“Falta energia masculina nas empresas”, diz dono da Meta. Ele deve estar falando da mais tóxica possível. Não é coincidência que isso ocorra às vésperas da posse de Donald Trump.”Agora o Zuckerberg assumiu que o bullying está liberado.” Escrevi essa frase no X depois de ser surpreendida, como todos, por um vídeo onde Mark Zuckerberg, o multimilionário dono da Meta, dizia que iria afrouxar as regras de moderação do Instagram e do Facebook e abolir os checadores profissionais de fatos.
“Vai tomar no c*, Nina Lemos”, respondeu um usuário que eu nunca vi na vida. Já estou acostumada a esse tipo de ataque (mentira, a gente nunca se acostuma). É irônico, mas esse tipo de ofensa é exatamente sobre o que o Zuckerberg falava. E o que ele quer “legalizar”.
De acordo com as novas diretrizes da empresa, que foram publicadas em português semana passada, atacar dessa maneira é permitido desde que seja em discussões políticas, religiosas etc.
Energia masculina tóxica
Agora, de acordo com o multimilionário, esse tipo de xingamento, assim como a violência de gênero, são permitidos, quase incentivados. Para ele, trata-se de “liberdade de expressão”. Esse ambiente digital tóxico parece ser também o que ele imagina como “um mundo de homem de verdade” (sic), “sem frescura”, “Está na hora de voltar às nossas raízes”, disse no início do vídeo. “Falta energia masculina nas empresas”, disse num podcast alguns dias depois.
Essa energia masculina de que ele fala parece ser a mais tóxica possível. Aquela dos homens que sentem saudades dos “bons tempos”, quando era permitido falar que “homossexuais eram doentes mentais” e que lugar de mulher é na cozinha. Ou seja, uma volta aos anos 50.
Não estou exagerando. As regras publicadas na nova política de moderação das redes são assustadoras. Elas falam explicitamente de imigrantes e identidade de gênero (duas pautas queridinhas da extrema direita, cujo um dos representantes, Donald Trump, toma posse como presidente dos EUA esta semana, o que não é coincidência).
O ataque à comunidade LGBTQIA+ é explícito, mas também os ataques às mulheres. Um dos trechos fala: “Em alguns casos, (usuários) solicitam exclusão ou recorrem a linguagem ofensiva ao abordar tópicos políticos ou religiosos, como direitos de pessoas transgênero, imigração ou homossexualidade. Também é comum que xingamentos a um gênero ocorram no contexto de separações amorosas. Nossas políticas foram criadas para dar espaço a esses tipos de discurso”.
É inacreditável. Como a política de uma empresa pode dizer coisas assim em 2025, quando a maioria das empresas adotou regras de inclusão e paridade de gênero? Pois Zuckerberg rasgou tudo isso. Ele acabou também com a comissão de diversidade e inclusão da empresa, que tratava, entre outras coisas, da paridade de salários e espaços, por exemplo, para pessoas negras. Já seria grave se fosse qualquer empresa. Só que, no caso, estamos falando das maiores redes sociais do mundo, plataformas que são usadas por bilhões de pessoas no mundo e que dominam os discursos públicos, inclusive os políticos,
Ataque a grupos mais vulneráveis
A parcela da sociedade que o dono da Meta larga aos leões é justamente a que é mais atacada nas redes sociais. De acordo com um estudo da União Europeia divulgado ano passado, as mulheres são as maiores vítimas de ataques de ódio online.
É muito preocupante também que ele fale que xingamentos de gênero são permitidos em “rompimentos amorosos”. É nessa fase que acontece a maioria dos casos de feminicídio. E, sim, ataques virtuais podem causar traumas e levar ao suicídio, principalmente de jovens. Além disso, sabemos muito bem que a violência online muitas vezes sai das redes e vai para a vida real.
Mark Zuckerberg acha que é o dono do mundo (mas não é, ainda bem). Por isso, vários países já avisaram que não aceitam as novas regras. No caso da Alemanha, desde 2018, está em vigor a NetzDG, que tem como objetivo restringir o discurso de ódio e os conteúdos ilegais nas redes. Na União Europeia existe também a Lei dos Serviços Digitais (DAS), que prevê regulamentações mais rigorosas do que as existentes nos Estados Unidos. No caso do Brasil, o governo reagiu dizendo que não aceitaria que as novas regras (ou a falta delas) fossem implementadas no país. A AGU (Advocacia-Geral da União) ingressou com uma notificação extrajudicial pedindo que a Meta explique como vai manter o compromisso de combater discursos de ódio, racismo e homofobia nas redes no Brasil.
Apesar desses esforços positivos, a entrada da Meta na “Esfera Red Pill” é extremamente preocupante, já que nem sempre os multimilionários de tecnologia cumprem as leis e é extremamente difícil que instituições governamentais consigam ter acesso a tudo o que é postado nas redes.
A virada “red pill” de Zuckerberg é extremamente perigosa. E fica até difícil ser otimista em meio a tanto retrocesso.